segunda-feira, 11 de abril de 2011

Livro II - O Planejamento em Educação: as várias vertentes

1 O planejamento em educação
Marcelo Soares Pereira da Silva - UFU
Um dos temas mais complexos no processo de gestão e de organização da educação reside exatamente no seu planejamento.
Na trajetória da educação brasileira, em muitos momentos e experiências, o planejamento assumiu uma função essencialmente burocrática e de controle do trabalho alheio, tanto no âmbito da organização dos sistemas de ensino quanto no interior de nossas escolas.
Pensar o planejamento em educação, numa perspectiva de gestão democrática, implica redefinir sua função e sua forma de desenvolvimento e de organização, na perspectiva do planejamento participativo.
Em contraposição aos modelos burocratizados de planejamento, que se sustentam na divisão do trabalho, na fragmentação da ação educativa e em concepções de caráter predominantemente instrumental e técnico do planejamento, a gestão democrática da educação e o planejamento participativo implicam o fortalecimento dos processos e das práticas participativas e coletivas de organização da educação e da escola. Nessa perspectiva, o planejamento assume, portanto, a função de mediador e articulador do trabalho coletivo na educação, em seus diferentes níveis, que se integram e se articulam por meio do planejamento participativo.
O planejamento em educação pode ocorrer em diferentes níveis, desde os sistemas de ensino, passando pelas unidades educativas, até o trabalho do professor no cotidiano da sala de aula.
A própria legislação nos indica alguns desses níveis de planejamento. A LDB (Lei nº 9.394/96), em seu artigo 9°, estabelece que uma das incumbências da União é elaborar o Plano Nacional de Educação (PNE). Essa mesma atribuição é estabelecida para os estados e municípios, ao constituírem seus sistemas de ensino (arts. 10 e 11). Também os estabelecimentos de ensino têm como uma de suas tarefas “elaborar e executar sua proposta pedagógica” (art. 12), assim como aos docentes é atribuída, entre outras funções, “participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino” (art. 13).
Vejamos, então, um pouco mais sobre os níveis de planejamento no campo educacional e, posteriormente, o Plano Nacional de Educação.

1 O planejamento em educação
1.1 O planejamento no âmbito dos sistemas e redes de ensino: Parte 01
Planejar a educação no âmbito de sistemas e redes de ensino implica a tomada de decisões, bem como a implementação de ações que compõem a esfera da política educacional propriamente dita. De acordo com Baia Horta (1991),
o planejamento educacional constitui uma forma específica de intervenção do Estado em educação, que se relaciona, de diferentes maneiras, historicamente condicionadas, com as outras formas de intervenção do Estado em educação (legislação e educação pública), visando a implantação de uma determinada política educacional do Estado, estabelecida com a finalidade de levar o sistema educacional a cumprir funções que lhe são atribuídas enquanto instrumento deste mesmo Estado.
Historicamente, em nosso país, o planejamento educacional compôs uma forma de exercício do controle, por parte do Estado, sobre a educação, cujo ápice se observa durante o regime militar. Os anos que marcaram esse período produziram sucessivos planos dos quais resultou uma intensa burocratização do sistema escolar.
Como forma de viabilizar o controle, o Estado desencadeia um processo de burocratização das instituições. Procedendo à análise histórica do desenvolvimento capitalista no Brasil, Félix (1986) nota que, ao se configurar um Estado de caráter plenamente intervencionista, intensifica-se o processo de burocratização do sistema escolar. A autora salienta que, na década de 70, esse processo se verificou de forma mais acentuada, em decorrência das relações que se estabeleceram entre a burocracia existente e o Estado autoritário. Félix (1986) fundamenta sua constatação da seguinte forma:
[...] as relações que se estabelecem, na década de 70, resultam de um processo histórico da formação de Estado capitalista brasileiro que data do período colonial [...], esse corte histórico só se justifica pelo fato de ser, nessa década, que se dá a consolidação da forma de Estado intervencionista, cuja emergência pode ser atribuída a uma causa mais imediata que é o golpe de 64 (FÉLIX, 1986).
Verifica-se, então,
[...] a criação de mecanismos e órgãos no aparelho de Estado que assumem o planejamento, execução e controle sobre a política econômica do país. Isso pode ser constatado nos governos pós 64 e de modo mais sistemático nos governos da década de 70, que se incumbem da execução dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (FÉLIX, 1986).

1 O planejamento em educação
1.2 O planejamento no âmbito dos sistemas e redes de ensino: Parte 02

O aperfeiçoamento da burocracia corresponde, segundo Félix (1986), às exigências do desenvolvimento econômico do país, o que implica, por sua vez, a modernização da administração pública, atingindo, além do setor econômico, também outros setores, como é o caso da educação.
Criam-se, assim, os planos setoriais de educação e cultura, o primeiro deles, durante o governo Médici, e os dois últimos, nos governos Geisel e Figueiredo. A autora analisa cada um desses planos e conclui que o principal objetivo dos mesmos era intensificar o processo de burocratização do sistema escolar brasileiro, para adequá-lo ao projeto econômico.
Esse processo foi evidenciado, a partir da análise dos planos setoriais de educação e cultura. Ficou nítida, em todos os planos, a relação estabelecida pelo governo entre a política econômica e a política social e, de modo específico, a política educacional, provocando a predominância dos interesses econômicos da classe dominante, mesmo quando foram anunciadas medidas orientadas para o atendimento das necessidades das classes dominadas.
Com base nas análises efetuadas, a autora conclui que:
a principal função da administração escolar no processo de desenvolvimento do capitalismo é, ao tornar o sistema escolar, cada vez mais, uma organização burocrática, permitir ao Estado um controle sobre a educação para adequá-la ao projeto econômico, descaracterizando-o como atividade humana específica e submetendo-a a uma avaliação, cujo critério é a produtividade, no sentido que lhe atribui a sociedade capitalista (FÉLIX, 1986).
A autora salienta, porém, que, se a organização burocrática da escola se configura em uma ameaça à especificidade da educação mediante o seu controle por parte do Estado, tal controle se dá de forma relativa, pois na escola reproduzem-se as contradições geradas no seio da sociedade:
[....] a relação antagônica entre as classes sociais mantém o movimento contraditório no nível da estrutura e da superestrutura. Logo, a escola não é apenas a agência ’reprodutora’ das relações sociais, mas o espaço em que se reproduz o movimento contraditório da sociedade que gera os elementos da sua própria transformação (FÉLIX, 1986).
A história evidencia que há uma estreita aproximação entre o planejamento e o poder, e entre esses e o saber: “o plano se situa na articulação do saber e do poder, ali onde o pensamento cessa de ser puro, mas onde a ação não é ainda senão um projeto” (MASSÉ apud BAIA HORTA, 1991).
A perspectiva de planejamento educacional enquanto atributo do exercício do poder constitui uma abordagem funcionalista na qual:
o plano torna-se funcional, não em relação ao todo social, mas em relação a uma vontade política que pode estar alienada do projeto da própria sociedade e que se utiliza do plano como instrumento para fazer valer seu próprio projeto (BAIA HORTA, 1991).

1 O planejamento em educação
1.3 O planejamento no âmbito dos sistemas e redes de ensino: Parte 03



Ainda segundo Baia Horta (1991), estruturam-se três grandes concepções de política educacional, cada uma delas engendrando formas específicas de planejamento. Assim, uma concepção ingênua de política educacional firma como princípio que a educação tem autonomia suficiente para demarcar seus fins, cabendo ao Estado cuidar para que eles sejam atingidos. Atribui-se, aqui, uma aparente neutralidade ao planejamento educacional, que comportaria mais um caráter técnico do que propriamente político. Uma segunda concepção de política educacional assume um caráter liberal, à medida que toma como ponto de partida a idéia de que são os interesses coletivos que legitimam os rumos a serem tomados. Nessa concepção, o planejamento adquire legitimidade, uma vez que as decisões são tomadas em nome de todos ou da maioria. A terceira concepção de política educacional, realista, segundo o autor, parte do princípio de que as decisões tomadas nesse âmbito articulam-se aos interesses dos grupos hegemônicos, constituindo, portanto, um problema fundamentalmente político. Nessa perspectiva, o planejamento educacional reflete as relações entre poder e saber numa dada sociedade.
Seria possível, então, pensar uma concepção de planejamento educacional articulada, de fato, a princípios democráticos comprometidos com um projeto de educação emancipatório? Que pressupostos e métodos deveriam estar contidos nessa concepção? Certamente, entre esses pressupostos e métodos estariam: a construção de uma direção política e pedagógica de forma transparente e coletiva; o diagnóstico e as prioridades dele resultantes definidos de forma participativa, extensiva a todos os aspectos da ação educacional (financiamento, currículo, avaliação etc.); o conhecimento amplo da realidade para a qual se planeja; a definição de objetivos de forma consistente e articulada às ações; o acompanhamento sistemático e coletivo das ações implementadas, com o fim de redirecionamento, sempre que necessário; e, sobretudo, a construção da autonomia das escolas, pautada em um projeto educativo consensual comprometido com uma educação emancipatória.
O princípio norteador desse planejamento, a participação, pode ser compreendido em quatro dimensões:
a) processo: enquanto tal, a participação se constrói e se desenvolve através de um sem-número de pequenas ações, no cotidiano educacional, não podendo ser adquirida de repente por um ato jurídico ou decreto
b) objetivo: precisamente para poder ser caracterizado como participativo, um processo deve ter como propósito, como fim a participação plena, irrestrita, de todos os agentes desse processo
c) meio: constrói-se a participação precisamente participando; ela é, portanto, seu próprio método
d) práxis: se a participação é entendida como processo que os seres humanos constroem conscientemente, tendo como finalidade a participação plena (leia-se democracia real), então, podemos entendê-la como uma prática cujo caráter é político (PINTO, 1994).
(Texto extraído do Caderno 2 da Coleção Gestão e Avaliação da Escola Pública: SOUZA, Ângelo Ricardo de. [et al.]. Planejamento e trabalho coletivo. Universidade Federal do Paraná, Pró-reitoria de Graduação e Ensino Profissionalizante, Centro Interdisciplinar de Formação Continuada de Professores; Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Curitiba: Ed. da UFPR. 2005, p.27-42).




1 O planejamento em educação
1.4 O planejamento no âmbito da unidade escolar: Parte 01

O planejamento da escola se concretiza pela elaboração de seu Projeto Político- Pedagógico (estudado na Sala Ambiente Projeto Vivencial). Na perspectiva aqui desenvolvida, o planejamento deve pautar-se pelo princípio da busca da unidade entre teoria e prática, e se institui como momento privilegiado de tomada de decisões acerca das finalidades da educação básica. O planejamento, no âmbito da unidade escolar, caracteriza-se como meio, por excelência, do exercício do trabalho pedagógico de forma coletiva, ou seja, como possibilidade ímpar de superação da forma fragmentada e burocrática de realização desse trabalho.
Na definição do Projeto Político-Pedagógico, materializam-se os diferentes momentos do planejamento: a definição de um marco referencial; a elaboração de um diagnóstico; e a proposição de uma programação com vistas à implementação das ações necessárias à realização de uma prática pedagógica crítica e reflexiva.
A concepção de planejamento escolar sustentada na idéia de Projeto Político- Pedagógico emerge, em nosso país, a partir da crítica ao modelo de planejamento técnico-burocrático, que se consolidou ao longo do regime militar. Esse modelo buscava produzir uma maior aderência entre as proposições da esfera governamental e as ações das escolas propriamente ditas. Com essa finalidade, o planejamento, no interior das escolas, adquiria os contornos de instrumentos a serviço da viabilização do controle. Em virtude dessa natureza burocrática, o planejamento passou a ser tido como mero instrumental técnico, amplamente criticado durante o processo de redemocratização do país. Nesse momento, para se contrapor a essa concepção tecnicista, sem negar, porém, a necessidade do planejamento, é que se passa a disseminar a necessidade de elaboração do Projeto Político-Pedagógico como forma de democratizar o planejamento na escola, incorporando o princípio da participação.
Nesse momento de redemocratização do país, outras políticas educacionais passam a ser implementadas, e, desse modo, nos vemos diante da indagação: como se constituem as relações entre o planejamento no âmbito do sistema e o planejamento nas unidades escolares?
A intervenção do Estado na educação ocorre por meio de ações que buscam produzir alterações no sistema educacional. Quando essas proposições abarcam um conjunto significativamente amplo de ações, elas caracterizam um processo de reforma educacional. Tais proposições se pautam em determinadas concepções de educação, de escola, de trabalho docente, de currículo e são, com freqüência, o resultado de mediações oriundas das relações de poder que se estabelecem no processo de constituição das proposições. Essas concepções e mediações se explicitam na forma como passam a ser incorporadas pelas escolas.
Tendo em vista a implementação das proposições oficiais, tem-se, geralmente, na seqüência, um conjunto de ações que compõem o planejamento no âmbito dos sistemas e redes de ensino. No entanto, as propostas e ações têm sobre as escolas alcance limitado, ainda que sejam capazes de atuar como um forte componente ideológico que pode conferir legitimidade às mudanças propostas. 

1 O planejamento em educação
1.5 O planejamento no âmbito da unidade escolar: Parte 02

O alcance relativo do planejamento, no âmbito do sistema educacional sobre as escolas, se verifica à medida que as mudanças propostas se confrontam com as práticas já consolidadas. Nesse processo, as escolas atribuem às proposições oficiais significados muitas vezes distintos daqueles das formulações originais.
Ainda que as escolas reinterpretem, reelaborem e redimensionem as proposições oficiais, não se pode menosprezar a importância desse nível do planejamento no que se refere à produção de transformações no sistema educacional. Tem sido capaz de adquirir legitimidade, seja ao assumir o discurso de inovação educacional, seja ao articular-se a um ideário pedagógico já legitimado.
Martins (2001) realizou uma interessante pesquisa em que se propôs analisar os limites e as possibilidades de gestão autônoma da escola pública da rede estadual de ensino paulista, tomando como base as relações que se estabeleciam, no contexto investigado,1 entre as medidas legais e os programas do governo, e a sua materialização pelos educadores. Entre as conclusões da autora, destacamos:
O acompanhamento cotidiano das ações que movimentam a unidade escolar possibilitou o desvendamento dos problemas que atingem a rede de ensino, pois, com efeito, as questões de ordem burocrática - aliadas às graves questões sociais e econômicas que afetam boa parte da clientela que a freqüenta - dominaram o cenário e as relações de trabalho, ocupando espaço central em detrimento de questões pedagógicas. Nesse sentido, a observação do cotidiano escolar propiciou uma visão mais ampla do campo de tensão constituído pelo imbricamento entre a norma formal e a norma vivida, ou entre a instituição imaginada e a instituição vivida, pois esta (re)significa aquela (LOBROT, 1966).
Compreender as representações em tela, tecidas por um intrincado e ambíguo jogo de resistências, contradições e conflitos, permitiu vislumbrar parte de um universo turbulento que extrapola, invariavelmente, os limites dos relatórios oficiais (MARTINS, 2001).
[...] A equipe aceitou e rejeitou, ao mesmo tempo, as orientações da Secretaria de Estado da Educação, compreendendo que a sobrevivência da instituição escolar dependerá permanentemente dessa relação ambígua, pois a necessidade cotidiana de (con)viver com os rituais que materializam as medidas políticas não permite ilusões: mergulhados na necessidade de cumprimento das formalidades burocráticas, transitaram pela escola obedecendo a horários rígidos estabelecidos pela Secretaria de Educação, preenchendo quantidades infindáveis de papéis, planilhas, encaminhando processos e fazendo negociações com a comunidade em torno da escola para doações, colaborações e trocas de notas fiscais. [...] Observou-se, ainda, que professores e equipe de direção procuravam explicitar à comunidade as medidas impostas, de um lado, mas, de outro, demonstravam cumprir de maneira ritual as normas e a regulamentação legal, alegando terem sido demandados apenas para executarem tarefas (MARTINS, 2001).
Observa-se, assim, um distanciamento entre as proposições do planejamento ao nível do sistema educacional e sua incorporação pelas escolas, ao planejar suas próprias ações. Isso implica que se considere que, na relação entre esses dois âmbitos do planejamento, produzem-se mediações que muitas vezes escapam ao controle puro e simples dos propositores das políticas educacionais. É nesse movimento, muitas vezes, que se consolida a autonomia das escolas, que se constitui, no entanto, de forma sempre relativa.
(Texto extraído do Caderno 2 da Coleção Gestão e Avaliação da Escola Pública: SOUZA, Ângelo Ricardo de. [et al.]. Planejamento e trabalho coletivo. Universidade Federal do Paraná, Pró-reitoria de Graduação e Ensino Profissionalizante, Centro Interdisciplinar de Formação Continuada de Professores; Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Curitiba: UFPR. 2005, p.27-42.
1 A pesquisa “foi realizada com base em dados colhidos no acompanhamento cotidiano da prática profissional da equipe de direção de uma escola de ensino fundamental e médio da rede pública estadual paulista” (MARTINS, 2001).

1 O planejamento em educação
1.6 O planejamento no âmbito do ensino: Parte 01

Lopes (1992) indica alguns pressupostos para um planejamento de ensino que considere a dinamicidade do conhecimento escolar e sua articulação com a realidade histórica. São eles:
produzir conhecimentos tem o significado de processo, de reflexão permanente sobre os conteúdos aprendidos buscando analisá-los sob diferentes pontos de vista; significa desenvolver a atitude de curiosidade científica, de investigação da realidade, não aceitando como conhecimentos perfeitos e acabados os conteúdos transmitidos pela escola (LOPES, 1992).
O processo de seleção da cultura, materializado no currículo e, em especial, nos conhecimentos a serem trabalhados, deverão estar intimamente relacionados à experiência de vida dos alunos, não como mera aplicabilidade dos conteúdos ao cotidiano, mas como possibilidade de conduzir a uma apropriação significativa desses conteúdos. Como afirma Lopes (1992), “essa relação, inclusive, mostra-se como condição necessária para que ao mesmo tempo em que ocorra a transmissão de conhecimentos, proceda-se a sua reelaboração com vistas à produção de novos conhecimentos”.
Desse modo, o planejamento de ensino passa a ser compreendido de forma estreitamente vinculada às relações que se produzem entre a escola e o contexto histórico-cultural em que a educação se realiza. Nessa perspectiva, deve-se levar em conta, ainda, as articulações entre o planejamento do ensino e o planejamento global da escola, explicitado em seu Projeto Político-Pedagógico.
O planejamento de ensino se verifica, portanto, como um elemento integrador entre a escola e o contexto social. Em virtude desse seu caráter integrador, é fundamental que (o planejamento) se paute em alguns elementos:
  • no estudo real da escola em relação ao contexto, o que demanda a caracterização do universo sociocultural da clientela escolar e evidencia os interesses e as necessidades dos educandos
  • na organização do trabalho didático propriamente dito, o que implica:
a) definir objetivos - em função dos três níveis de aprendizagem: aquisição, reelaboração e produção de conhecimentos (LOPES, 1992)
b) prever conteúdos - tendo como critérios de seleção a finalidade de que eles atuem como instrumento de compreensão crítica da realidade e como elo propiciador da autonomia

1 O planejamento em educação
1.7 O planejamento no âmbito do ensino: Parte 02



c) selecionar procedimentos metodológicos - considerando os diferentes níveis de aprendizagem e a natureza da área do conhecimento
d) estabelecer critérios e procedimentos de avaliação - considerando a finalidade de intervenção e retomada no processo de ensino e aprendizagem, sempre que necessário.
Nessa forma de planejamento de ensino, a avaliação da aprendizagem adquire especial relevância, uma vez que não pode constituir-se unicamente em forma de verificação do que o aluno aprendeu. Antes de mais nada, deve servir como parâmetro de avaliação do trabalho do próprio professor.
Estabelecer critérios mais ou menos rigorosos de avaliação não é tarefa difícil. Difícil é saber trabalhar com os resultados obtidos, de modo a construir instrumentos de análise que permitam intervir no processo de ensino e aprendizagem, no momento em que ele está ocorrendo.
A avaliação da aprendizagem, nessa acepção, não pode ocorrer somente após terse concluído um período letivo (bimestre, semestre etc.), mas é processo, sem o qual se compromete, irremediavelmente, a qualidade do ensino.
Avaliar o desempenho do educando não pode se tornar, ainda, mecanismo de coerção, por parte do professor, num exercício arbitrário de poder. A avaliação, enquanto mecanismo disciplinar, traumatiza e anula individualidades, mediante a imposição da visão de mundo daquele que pretensamente detém o saber.
Desse modo, a avaliação da aprendizagem deve constituir-se em instrumento por meio do qual o professor possa ter condições de saber se houve, e em que medida houve, a apropriação do conhecimento de forma significativa por parte do aluno. Deve permitir, ainda, ao professor reconhecer se houve adequação em termos de suas opções metodológicas, bem como evidenciar em que medida as relações pedagógicas estabelecidas contribuíram para o processo de ensino e aprendizagem. Torna-se, assim, elemento ímpar para o planejamento das ações docentes.
Essa perspectiva de planejamento de ensino toma, ainda, como principais diretrizes:
1) que a ação de planejar implica a participação de todos os elementos envolvidos no processo
2) a necessidade de se priorizar a busca da unidade entre teoria e prática
3) que o planejamento deve partir da realidade concreta e estar voltado para atingir as finalidades da educação básica definidas no projeto coletivo da escola
4) o reconhecimento da dimensão social e histórica do trabalho docente. Nessa abordagem, o planejamento ultrapassa o caráter de instrumental meramente técnico e adquire a condição de conferir materialidade às ações politicamente definidas pelos sujeitos da escola. 

1 O planejamento em educação
1.8 O planejamento no âmbito do ensino: Parte 03
Um dos maiores desafios, nessa perspectiva, é o da produção de coerência entre o planejamento da escola e o planejamento de cada professor, ao nível do ensino propriamente dito. A esse respeito, Cruz (1995) aponta algumas dificuldades:
a) muitos dos professores não acreditam que o plano global vá ser colocado em prática concretamente; muitos pensam que ficará só no discurso (como acontece em muitas escolas)
b) muitas instituições querem o Planejamento Participativo para organizar a escola e não como um instrumento de transformação social
c) não há clareza teórico-conceitual e metodológica de certos conceitos utilizados com freqüência nos marcos referenciais como: democracia, participação, justiça, liberdade, solidariedade, igualdade, consciência crítica
d) por outro lado, há desconhecimento da forma camuflada como a escola e as instituições reproduzem mecanismos de discriminação e controle social, de injustiça, de consumismo, de tutela e outros mais, através das práticas educativas que realizam.
(Texto extraído do Caderno 2 da Coleção Gestão e Avaliação da Escola Pública: SOUZA, Ângelo Ricardo de. [et.al.]. Planejamento e trabalho coletivo. Universidade Federal do Paraná, Pró-reitoria de Graduação e Ensino Profissionalizante, Centro Interdisciplinar de Formação Continuada de Professores; Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Curitiba: UFPR. 2005, p.27-42). 

Diante dessas dificuldades, muitos professores fazem a opção pelo isolamento, comprometendo, dessa forma, a possibilidade de potencialização do trabalho pedagógico pelo não reconhecimento de sua natureza coletiva.
É justamente nesse momento que a força do coletivo deve-se mostrar não como imposição, mas como elo catalisador, com vistas a orientar um trabalho pedagógico consistente e orgânico ao Projeto Político-Pedagógico da escola.

 
1 O planejamento em educação
1.9 O Plano Nacional de Educação: Parte 01
Como vimos, o planejamento educacional se dá em diferentes níveis: no âmbito dos sistemas e de redes de ensino; nos âmbitos da unidade escolar e do ensino. É fundamental que o gestor educacional compreenda essas várias dimensões que o planejamento em educação pode atingir, uma vez que sua atuação se define não apenas pelas relações e pelas dinâmicas internas à escola, mas também é engendrada pelo contexto mais amplo em que se insere.
Por sua vez, a Constituição Federal, em seu art. 214, prevê que a lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, complementarmente, define como uma das incumbências da União “elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios” (art. 9º, inciso I).
O Plano Nacional de Educação (PNE) é um importante instrumento da política educacional, pois nele estão definidos as diretrizes, os objetivos e as metas para todos os níveis e modalidades de ensino; para a formação e a valorização do magistério e para o financiamento e a gestão da educação, por um período de dez anos. Ele tem como objetivo principal orientar as ações do poder público nos três níveis de governo (União, estados e municípios). Assim, ele se constitui em um importante mecanismo que contribui para a definição dos rumos da política educacional do país.
Nesse sentido, tomado enquanto plano nacional, o PNE não se restringe à União, ao passo que deve subsidiar e envolver todos os demais planos elaborados pelos demais entes federados. Os objetivos e metas nele fixados devem-se constituir em objetivos e metas da nação brasileira. É, pois, um plano de Estado, não um plano de governo. Toda a sociedade é herdeira de suas ações e de suas metas, é a proprietária dos seus compromissos. Mesmo mudando o governo e alternando-se os partidos políticos no poder, o plano continua, ainda que ajustes sejam feitos ao longo do período de sua vigência. Enquanto plano global de toda a educação, não se configura como um plano da Secretaria de Educação, nem da rede de ensino estadual ou municipal. Por isso, é essencial a articulação dos diversos setores da administração pública e da sociedade na sua discussão e elaboração, conduzindo a uma ação abrangente das diversas forças governamentais e sociais para alcançar o ideal nele proposto.
A elaboração do Plano Nacional de Educação, além de estar respaldada na Constituição Federal de 1998 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, está alicerçada, também, em compromissos internacionais firmados pelo Brasil. Nesse sentido, o PNE se encontra em sintonia com o compromisso da Conferência de Dacar sobre Educação para Todos, promovida pela Unesco, em maio de 2000; com a Declaração de Cochabamba, dos Ministros da Educação da América Latina e do Caribe sobre Educação para Todos (2000); com a Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Adultos; com a Declaração de Paris sobre Educação Superior; com a Declaração de Salamanca sobre Necessidades Educativas Especiais e com os documentos das Nações Unidas e da Unesco sobre os direitos humanos e a não-discriminação. 

1 O planejamento em educação
1.10 O Plano Nacional de Educação: Parte 02

A tramitação no Congresso Nacional das propostas em torno do Plano Nacional de Educação não se deu sem conflitos e embates de projetos. Na verdade, foram apresentados dois projetos de lei, que foram apreciados conjuntamente. De um lado, uma proposta construída a partir da articulação de diferentes entidades que se organizaram no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. Participaram da elaboração dessa proposta, consolidada no II Congresso Nacional de Educação (II CONED), as seguintes entidades: 

• AELAC (Associação de Educadores da América Latina e do Caribe)
• ANDE (Associação Nacional de Educação)
• ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior)
• ANFOPE (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação)
• CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação)
• CONTEE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino)
• DNTE - CUT (Departamento Nacional dos Trabalhadores da Educação/CUT),
• FASUBRA Sindical (Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras)
• SINASEFE (Sindicato Nacional dos Servidores da Educação Federal de 1º, 2º e 3º graus da Educação Tecnológica)
• UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas)
• UNDIME (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação)
• UNE (União Nacional dos Estudantes)
• ADCEFET-MG-Sindical (Associação dos Docentes do CEFET-MG - Seção Sindical do Andes-SN)
• ADUFSCar-S.Sindical (Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Carlos – Seção Sindical do ANDES-SN)
• ADUSP - S.Sindical (Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo – Seção Sindical do ANDES-SN)
• APUBH-Sindical (Associação dos Professores da UFMG - Seção Sindical do Andes- SN)
• CUT-Estadual - MG (Central Única dos Trabalhadores/MG)
• FITEE (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos do Ensino)
• Fórum Mineiro em Defesa da Escola Pública
• Fórum Norte Mineiro em Defesa da Escola Pública
• Regional Leste do ANDES-SN
• SBPC-MG (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência/MG)
• SIND-UTE-MG (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais)
• SINDIFES (Sindicato das Instituições Federais de Ensino Superior de Belo Horizonte)
• SINPRO-MG (Sindicato dos Professores de Minas Gerais)
• SEED-BETIM (Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Betim)
● UEE-MG (União Estudantil de Educação de Minas Gerais). 

De outro lado, a proposta encaminhada pelo Poder Executivo, por meio do Ministério da Educação, expressa no projeto de Lei nº 4.173/98. Na elaboração desse projeto, o Ministério da Educação teve como principais interlocutores o Conselho Nacional de Educação, o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação e o Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Educação, entre outras entidades da sociedade civil.
Entretanto, depois de três anos de tramitação no Congresso Nacional e muito debate com a sociedade civil organizada e entidades da área educacional, o PNE foi sancionado em janeiro de 2001, expresso na Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Mesmo assim, o plano aprovado, resultante da fusão das duas propostas encaminhadas, não teria ultrapassado as características de uma ‘mera carta de intenções’ do governo para a área da educação.



1 O planejamento em educação
1.11 O Plano de Desenvolvimento da Educação
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) foi apresentado à sociedade brasileira pelo Ministério da Educação em abril de 2007. Ele se constitui de um conjunto de programas relativos às diferentes etapas, níveis e modalidades da educação brasileira – educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação superior. Esses programas envolvem diferentes aspectos concernentes ao financiamento, às condições de trabalho, à formação dos profissionais da educação, à educação inclusiva, à educação profissional, à infra-estrutura física, aos equipamentos e laboratórios, à jornada do tempo escolar, à articulação entre municípios, estados, Distrito Federal e União, na consecução de políticas educacionais, entre outros.
O PDE se articula ao PNE à medida que retoma e discute metas e diretrizes nele apontadas e procura contribuir no sentido de se criar as condições objetivas para sua realização. O PDE, ainda que possa ser tomado como um plano executivo que tem como horizonte aprofundar o processo de realização das metas quantitativas expressas no PNE, ultrapassa o sentido de um plano meramente instrumental e operacional. No documento Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios, programas (p.7), é evidenciado o sentido do PDE e sua relação com o PNE:
O PDE, nesse sentido, pretende ser mais do que a tradução instrumental do Plano Nacional de Educação (PNE), o qual, em certa medida, apresenta um bom diagnóstico dos problemas educacionais, mas deixa em aberto a questão das ações a serem tomadas para a melhoria da qualidade da educação. É bem verdade, como se verá em detalhe a seguir, que o PDE também pode ser apresentado como plano executivo, como conjunto de programas que visam dar conseqüência às metas quantitativas estabelecidas naquele diploma legal, mas os enlaces conceituais propostos tornam evidente que não se trata, quanto à qualidade, de uma execução marcada pela neutralidade.Isso porque, de um lado, o PDE está ancorado em uma concepção substantiva de educação que perpassa todos os níveis e modalidades educacionais e, de outro, em fundamentos e princípios historicamente saturados, voltados para a consecução dos objetivos republicanos presentes na Constituição, sobretudo no que concerne ao que designaremos por visão sistêmica da educação e à sua relação com a ordenação territorial e o desenvolvimento econômico e social.
Portanto, na perspectiva do Ministério da Educação, o PDE se constitui em um instrumento de planejamento da educação brasileira que procura traduzir uma compreensão e uma visão mais orgânica e sistêmica da educação brasileira. Os programas que estruturam o PDE estão articulados em torno de quatro eixos: a educação básica, a educação superior, a educação profissional e a educação continuada, alfabetização de adultos e diversidade. Por sua vez, cada um desses eixos se estrutura a partir de alguns pilares básicos, tomados como dimensões estratégicas para a realização de uma ação articulada e orgânica dos programas que lhes dão sustentação.


1 O planejamento em educação
1.12 Referências:
ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Indivíduo. In: ADORNO, T. W. e HORKHEIMER, M Temas básicos de sociologia. São Paulo: Cultrix, 1978.
______. Tabus acerca do Magistério. In: Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
______. Teoria da Semicultura. Educação & Sociedade. ano XVII, nº 56, Dezembro, 1996.
AEC. Planejamento participativo como metodologia libertadora. Revista de Educação. Ano 24, nº 96, julho/setembro, 1995.
APPLE, M. Ideologia e currículo. São Paulo: Cortez, 1986.
BAIA HORTA, J. S. Planejamento educacional. In: MENDES, D. T. (coord.) Filosofia da educação brasileira. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1991.
BENINCÁ, E. As origens do planejamento participativo no Brasil. AEC. Revista de Educação. Ano 24, nº96, julho/setembro, 1995.
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios, programas. Brasília, 2007.
CALAZANS, M. J.; GARCIA, W.; KUENZER, A. Planejamento e educação no Brasil. São Paulo: Cortez, 1990.
COSTA, C.; SILVA, I. Planejamento participativo: prática de cidadania ou cidadania na prática? AEC. Revista de Educação. Ano 24, nº96, julho/setembro, 1995.
CRUZ, C. H. C. Articulação do plano global com os planos da sala de aula. AEC. Revista de Educação. Ano 24, nº96, julho/setembro, 1995.
FÉLIX, M. F. C. Administração escolar: um problema educativo ou empresarial. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1986.
FORQUIM, J. C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 13 ed. São Paulo: Cortez, 1986.
FUSARI, J. C. O planejamento educacional e a prática dos educadores. Revista ANDE, s/d.
GANDIN, D. A prática do planejamento participativo. Petrópolis: Vozes, 1994.
GIMENO SACRISTÁN, J. Âmbitos do plano. In: GIMENO SACRISTÁN, J.; PÉREZ GÓMEZ, A. I. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: ArtMed, 2000.
_____. Reformas Educacionais: utopia, retórica e prática. In: Silva, Tomaz T.; GENTILE, P. Escola S.A. Brasília: CNTE, 1996.
GIROUX, H. Pedagogia radical: subsídios.Tradução ZIBAS, D.M.L. São Paulo: Cortez, 1983.
KUENZER, A. Política educacional e planejamento no Brasil: os descaminhos da transição. In: KUENZER, A.; CALAZANS, J. M.; GARCIA, W. Planejamento e educação no Brasil. São Paulo: Cortez, 1990.
KUENZER, A.; CALAZANS, M. J.; GARCIA, W. Planejamento e educação no Brasil. São Paulo: Cortez, 1990.
LOPES, A. O. Planejamento de ensino numa perspectiva crítica de educação. In: CANDAU, V. Repensando a didática. São Paulo: Cortez, 1992.
MARTINS, A. M. Gestão autônoma da escola pública. In: 24ª Reunião Anual da ANPED. Caxambu, MG: 2001.
MOTTA, F. C. P. ; PEREIRA, L.C.B. Introdução à organização burocrática. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
MOTTA, F. C. P. O que é burocracia. São Paulo: Brasiliense, 1985
(Col. Primeiros Passos). PARO, V. H. Administração escolar: introdução crítica. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1986.
PÉREZ GÓMEZ, A. S. Os processos de ensino e aprendizagem: análise didática das principais teorias da aprendizagem. In: SACRISTÁN, J.G. ; PÉREZ GÓMEZ, A. I. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: ArtMed, 2000.
PINTO, J. B. Planejamento participativo na escola cidadã. Palestra proferida no Seminário Nacional Escola Cidadã. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Educação, 1994.
ROSSA, L. O marco referencial. AEC. Revista de Educação. Ano 24, nº96, julho/setembro, 1995.
SANTOS, B. S. Uma concepção multicultural de direitos humanos. Lua Nova. Revista de Cultura e Política. nº 39, São Paulo: 1997.
SILVA, M. R. Alfabetização: pressupostos para a formação do professor. In: SILVA, M. R. (org.) Ciências, ensino e formação de professores. Toledo: T, 1996.
SILVA, T. T. O currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
_____. Teorias do currículo. Portugal: Porto, 2000.
TAYLOR, F. W. Princípios de administração científica. 7 ed. São Paulo: Atlas 1989.
TYLER, R. Princípios básicos de currículo e ensino. Porto Alegre: Globo, 1974.
VASCONCELLOS, C. S. Planejamento: plano de ensino-aprendizagem e projeto educativo. São Paulo: Libertad, 1995.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
WALLON, H. Los orígenes del carácter. Buenos Aires: Nueva Visión, 1975.
WEBER, M. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982.
WILLIANS, R. Cultura. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.


OBS: este material pertence a Escola de Gestores/UFBA/MEC.





 
 



Livro I - Planejamento: trabalho pedagógico e o cotidiano escolar

1 Planejamento e o cotidiano escolar
Marcelo Soares Pereira da Silva – UFU
Todos já ouvimos falar a respeito e talvez alguns de nós certamente também já destacamos a importância do planejamento na organização do trabalho na e da escola. Em diferentes momentos e lugares em que a educação se desenvolve, somos solicitados a apresentar algum tipo de documento que expresse o planejamento do trabalho a ser desenvolvido. Seja a proposta pedagógica da escola, o projeto político-pedagógico da instituição, o plano de curso, o plano de aula, enfim, a necessidade de se trabalhar de forma planejada sempre foi uma constante e continua fortemente presente no interior da escola. Também no âmbito dos sistemas de ensino, encontramos a demanda pelo planejamento do trabalho a ser desenvolvido, desde o Plano Nacional de Educação, com suas metas e diretrizes, até os planos elaborados pelos sistemas de ensino nos estados e municípios.

1 Planejamento e o cotidiano escolar
1.1 Mas, o que é planejamento?
 Falar em planejamento é falar em processo de organização de determinada ação. Nisso consiste o processo de planejamento: ele envolve a definição da melhor maneira para se realizar determinadas ações, com vistas a se alcançar metas e objetivos previamente definidos, estabelecendo, para tanto, ações, atividades, etapas e prazos para o seu desenvolvimento e operacionalização, considerando as condições existentes. Nesse processo é fundamental, ainda, assegurar o acompanhamento, a avaliação e o replanejamento, num movimento permanente de pensar e repensar a ação desenvolvida, o trabalho realizado. No processo de planejamento fazemos escolhas, definimos caminhos, tomamos decisões por meio das quais procuramos indicar aonde queremos chegar, como pretendemos desenvolver e realizar determinada ação, considerando os recursos e meios de que dispomos para alcançar nossos objetivos.
Nesse processo de organização da ação, o ponto de partida deve ser o lugar em que nos encontramos, a realidade que está posta, para a partir daí mirar em novos horizontes, delinear novas metas e novos objetivos, projetar, alçar novos vôos.


Portanto, o conceito de planejamento carrega consigo duas dimensões fundamentais. Uma dimensão que diz respeito à capacidade do homem de antecipar, de pro-jetar, de construir idealmente sua ação e sua intervenção no e com o mundo. Outra dimensão igualmente importante é a que se refere ao seu caráter processual, inacabado, incompleto, de permanente vir a ser.

2 A relação entre planejamento - plano - projeto
Marcelo Soares Pereira da Silva - UFU
Em sua atuação como gestor, já deve ter observado que, no campo do planejamento em educação, por vezes, usamos como sinônimos termos que, apesar de estarem diretamente articulados uns aos outros, necessariamente não são exatamente a mesma coisa. É o caso de expressões como planejamento, plano, projeto.
A distinção entre esses termos não significa afirmar que haveria um antagonismo entre eles. Pelo contrário, todos dizem respeito a aspectos relativos à organização de determinada ação, no entanto, cada um tem seu significado.
Como já comentamos em outro momento, o planejamento consiste no processo de organização de determinada ação, o que implica um conjunto de encaminhamentos, princípios e pressupostos. A definição do caminho a ser percorrido para se alcançar o objetivo almejado envolve um conjunto de iniciativas e ações, entre as quais as elaborações de plano e projeto.
Mas, além da compreensão sobre as relações de aproximação entre planejamento, plano e projeto, é importante ressaltar que todo esse processo de organização da ação, expresso em plano ou projetos, pode-se desenvolver sob diferentes caminhos, a partir de diferentes olhares. Esses diferentes caminhos e olhares, ao mesmo tempo em que refletem diferentes maneiras de se compreender o processo de organização do trabalho educativo, diferentes concepções, traduzem projetos políticos distintos quanto ao lugar e ao papel da educação e da gestão escolar.


2 A relação entre planejamento - plano - projeto
2.1 Plano
O plano consiste na sistematização do processo de organização da ação. No plano devem estar sistematizadas as ações que se pretende desenvolver, informações e princípios que balizam e sustentam essas ações. Ele se constitui num guia para a ação. Se o planejamento consiste no processo de tomada de decisões, o plano é a formalização dos diferentes momentos desse processo. O plano se configura, portanto, num registro escrito, apresentado sob a forma de um documento.
No campo educacional, assim como em outros setores da vida social, a sistematização de um plano e sua abrangência correspondem ao nível e à amplitude da realidade educativa que está sendo organizada. Nesse sentido, podemos falar em diferentes níveis de plano, assim como já falamos em diferentes níveis de planejamento.
Por exemplo, o processo de planejamento que organiza as ações e as diretrizes dos sistemas e das redes de ensino é sistematizado em documentos que têm como característica expressar as propostas, as metas, as estratégias e as políticas a serem implementadas em determinada realidade. É o caso dos planos estaduais e municipais de educação.
Por sua vez, quando o processo de planejamento se desenvolve no âmbito da organização de um curso ou de uma aula, dele decorre a sistematização de um plano de curso ou de um plano de aula, respectivamente.
Enfim, o que indicamos é que diferentes níveis do processo de planejamento implicam distintos níveis de sistematização formal desse processo, em diferentes espaços, como os sistemas de ensino, as unidades escolares, a sala de aula, entre outros.

2 A relação entre planejamento - plano - projeto
2.2 Projeto Político-Pedagógico
Na organização do trabalho escolar, o gestor educacional convive permanentemente com a necessidade de se trabalhar com projetos.
O termo projeto, assim como o termo plano, também possui um caráter de sistematização da ação futura e, nesse sentido, a definição de projeto traz consigo a idéia de lançar-se adiante, de algo a construir.
Por um lado, a idéia de projeto pode estar vinculada à noção de detalhamento de uma determinada ação a ser desenvolvida a partir do plano elaborado. Nesse sentido, o projeto consistiria na sistematização de uma parte ou de uma atividade prevista no plano a ser implementado.
É o caso, por exemplo, de um plano de curso de um professor de ciências em que está prevista a realização de uma exposição/mostra de ciências na escola, dentro da programação da disciplina. Para a viabilização dessa proposta, ele sistematiza as suas idéias e a apresenta através da elaboração de um projeto.
Nessa dimensão, a idéia de projeto assume um caráter mais operacional: a realização de uma atividade específica.
Por outro lado, o termo projeto tem sido utilizado também para se referir à proposta pedagógica da escola, como quando falamos em Projeto Político-Pedagógico da escola. Na Sala Ambiente Projeto Vivencial, você poderá discutir com maior profundidade o conteúdo do Projeto Político-Pedagógico e suas dimensões conceituais e metodológicas. Complementando as orientações e reflexões ali desenvolvidas, você contribuirá um pouco mais com nossas análises sobre o sentido e o papel do Projeto Político-Pedagógico no contexto da gestão escolar e de sua construção coletiva.

3 Planejamento: concepções
Marcelo Soares Pereira da Silva - UFU
O planejamento não deve ser tomado apenas como mais um procedimento administrativo de natureza burocrática, decorrente de alguma exigência superior ou mesmo de alguma instância externa à instituição. Ao contrário, ele deve ser compreendido como mecanismo de mobilização e articulação dos diferentes sujeitos, segmentos e setores que constituem essa instituição e participam da mesma.
A preocupação com o planejamento se desenvolveu, principalmente, no mundo do trabalho, no contexto das teorias administrativas do campo empresarial.
Essas teorias foram se constituindo nas chamadas escolas de administração (abordadas na Sala Ambiente Políticas e Gestão na Educação), que têm influenciado o campo da administração escolar. Para muitos teóricos e profissionais, os princípios por elas defendidos seriam aplicáveis em qualquer campo da vida social e ou do setor produtivo, inclusive na gestão da educação e da escola.
Essa influência deixa suas marcas também no que se refere ao planejamento, à medida que o mesmo assumiu uma centralidade cada vez maior, a partir dos princípios e métodos definidos por Taylor e os demais teóricos que o seguiram. Isso porque, a partir do taylorismo, assim como das teorias administrativas que o tomaram como referência, uma das principais tarefas atribuídas à gerência foram o planejamento e o controle do processo de trabalho.
Na verdade, o formalismo e a burocratização do processo de planejamento no campo educacional decorrem, em boa medida, das marcas deixadas pelos modelos de organização do trabalho voltados, essencialmente, para a busca de uma maior produtividade, eficiência e eficácia da gestão e do funcionamento da escola. Isso secundariza os processos participativos, de trabalho coletivo e do compromisso social, requeridos pela perspectiva da gestão democrática da educação. É o caso, por exemplo, dos modelos e das concepções de planejamento orientadas pelo horizonte do planejamento tradicional ou normativo e do planejamento estratégico.
Mas, em contraposição a esses modelos, se construiu a perspectiva do planejamento participativo.


3 Planejamento: concepções
3.1 O planejamento tradicional ou normativo
O planejamento tradicional ou normativo trabalha em uma perspectiva em que o planejamento é definido como mecanismo por meio do qual se obteria o controle dos fatores e das variáveis que interferem no alcance dos objetivos e resultados almejados. Nesse sentido, ele assume um caráter determinista em que o objeto do plano, a realidade, é tomada de forma estática, passiva, pois, em tese, tende a se submeter às mudanças planejadas.
Ao lado dessas características, outros elementos marcam o planejamento normativo:
● Há uma ênfase nos procedimentos, nos modelos já estruturados, na estrutura organizacional da instituição, no preenchimento de fichas e formulários, o que reduz o processo de planejamento a um mero formalismo.
● O planejador é visto como o principal agente de mudança, desconsiderando-se os fatores sociais, políticos, culturais que engendram a ação, o que se traduz numa visão messiânica daquele que planeja. Essa visão do planejador geralmente conduz a certo voluntarismo utópico.
● Ao mesmo tempo em que, por um lado, há uma secundarização das dimensões social, política, cultural da realidade, por outro lado, prevalece a tendência de se explicar essa realidade e as mudanças que nela acontecem como resultantes, basicamente, da dimensão econômica que a permeia.

3 Planejamento: concepções
3.2 O planejamento estratégico
O planejamento estratégico, por sua vez, se desenvolveu dentro de uma concepção de administração estratégica que se articula aos modelos e padrões de organização da produção, construídos no contexto das mudanças do mundo do trabalho e da acumulação flexível, a partir da segunda metade do século XX. Essa concepção de administração e de planejamento procura definir a direção a ser seguida por determinada organização, especialmente no que se refere ao âmbito de atuação, às macropolíticas e às políticas funcionais, à filosofia de atuação, aos macroobjetivos e aos objetivos funcionais, sempre com vistas a um maior grau de interação dessa organização com o ambiente.
Essa interação com o ambiente, no entanto, é compreendida como a análise das oportunidades e ameaças do meio ambiente, de forma a estabelecer objetivos, estratégias e ações que possibilitem um aumento da competitividade da empresa ou da organização.
Em síntese, o planejamento estratégico concebe e realiza o planejamento dentro um modelo de decisão unificado e homogeneizador, que pressupõe os seguintes elementos básicos:
● determinação do propósito organizacional em termos de valores, missão, objetivos, estratégias, metas e ações, com foco em priorizar a alocação de recursos
● análise sistemática dos pontos fortes e fracos da organização, inclusive com a descrição das condições internas de resposta ao ambiente externo e à forma de modificá-las, com vistas ao fortalecimento dessa organização
● delimitação dos campos de atuação da organização
● engajamento de todos os níveis da organização para a consecução dos fins maiores.
Em contraposição a esses modelos de planejamento, a perspectiva da gestão democrática da educação e da escola pressupõe o planejamento participativo como concepção e modelo de planejamento. O planejamento participativo deve, pois, enquanto metodologia de trabalho, constituir a base para a construção e para a realização do Projeto Político-Pedagógico da escola.
O planejamento participativo não possui um caráter meramente técnico e instrumental, à medida que parte de uma leitura de mundo crítica, que apreende e denuncia o caráter excludente e de injustiça presente em nossa realidade. As características de tal realidade, por sua vez, decorrem, dentre outros fatores, da falta ou da impossibilidade de participação e do fato de a atividade humana acontecer em todos os níveis e aspectos. Nessa perspectiva, a participação se coloca como requisito fundamental para uma nova educação, uma nova escola, uma nova ordem social, uma participação que pressupõe e aponta para a construção coletiva da escola e da própria sociedade.
O planejamento participativo na educação e na escola traz consigo, ainda, duas dimensões fundamentais: o trabalho coletivo e o compromisso com a transformação social.
O trabalho coletivo implica uma compreensão mais ampla da escola. É preciso que os diferentes segmentos e atores que constroem e reconstroem a escola apreendam suas várias dimensões e significados. Isso porque o caráter educativo da escola não reside apenas no espaço da sala de aula, nos processos de ensino e aprendizagem, mas se realiza, também, nas práticas e relações que aí se desenvolvem. A escola educa não apenas nos conteúdos que transmite, à medida que o processo de formação humana que ali se desenvolve acontece também nos momentos e espaços de diálogo, de lazer, nas reuniões pedagógicas, na postura de seus atores, nas práticas e modelos de gestão vivenciados.
De outra parte,
o compromisso com a transformação social coloca como horizonte a construção de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária, e uma das tarefas da educação e da escola é contribuir para essa transformação.
Por certo, como já analisamos em outros momentos neste curso, a escola pode desempenhar o papel de instrumento de reprodução do modelo de sociedade dominante, à medida que reproduz no seu interior o individualismo, a fragmentação social e uma compreensão ingênua e pragmática da realidade, do conhecimento e do próprio homem.
Em contrapartida, a educação e a escola articuladas com a transformação social implicam uma nova compreensão do conhecimento, tomado agora como saber social, construção histórica, instrumento para compreensão e intervenção crítica na realidade. Concebem o homem na sua totalidade e, portanto, visam a sua formação integral: biológica, material, social, afetiva, lúdica, estética, cultural, política, entre outras.
A partir dos aspectos aqui destacados, é possível definir os seguintes elementos básicos que definem e caracterizam o planejamento participativo:
● distanciam-se daqueles modelos de organização do trabalho que separa, no tempo e no espaço, quem toma as decisões de quem as executa
● conduzem à práxis (ver conceito na Sala Ambiente Projeto Vivencial) enquanto ação de forma refletida, pensada
● pressupõem a unidade entre pensamento e ação
● o poder é exercido de forma coletiva
● implicam a atuação permanente e organizada de todos os segmentos envolvidos com o trabalho educativo
● constituem-se num avanço, na perspectiva da superação da organização burocrática do trabalho pedagógico escolar, assentado na separação entre teoria e prática.
O trabalho coletivo e o compromisso com a transformação social colocam, pois, o planejamento participativo como perspectiva fundamental quando se pretende pensar e realizar a gestão democrática da escola. Ao mesmo tempo, essa concepção e esse modelo de planejamento se constituem como a base para a construção do Projeto Político-Pedagógico da escola.
O planejamento participativo implica, ainda, o aprofundamento crescente, a discussão e a reflexão sobre o tema da participação. Sobre essa temática, na Sala Ambiente Projeto Vivencial, importantes elementos são destacados também.


4 O gestor escolar frente ao desafio da participação do planejamento do trabalho escolar: dimensões e significados
Marcelo Soares Pereira da Silva - UFU
A construção da gestão democrática da educação exige que aprofundemos, cada vez mais, nossas reflexões e nossos fundamentos sobre a participação, seus significados, suas dimensões e suas características. Como gestor na escola ou no sistema de ensino, você sabe dos grandes desafios que precisam ser enfrentados de modo a viabilizar a participação dos diferentes segmentos na organização da escola. Por isso, vale a pena refletir um pouco mais sobre o tema da participação.
Quando pensamos a participação no processo de planejamento da escola, especialmente no processo de elaboração e implementação de seu Projeto Político- Pedagógico, podemos incorrer na concepção de que essa participação é influenciada apenas por agentes e fatores internos a escola. Por certo, a forma como se estrutura a escola – e os meios que proporcionam maior abertura à participação – estão relacionados aos ideais de Estado e aos modelos de produção que engendram essa escola.
O debruçar sobre a questão das relações de poder entre Estado e escola nos possibilita afirmar, ao lado de Gracindo (1997), Dourado e Paro (2001), Frigotto (1991) e Silva (2002), que o Estado tende a impingir os ideais neoliberais inclusive na escola, sugerindo uma não-interferência do Estado na área administrativa, alegando maior abertura para a participação. Veiga (2001, p. 32) avalia que:
o Estado, ao se descomprometer com a escola, tem levado a que essa escola procure caminhos próprios para se manter, inclusive, no que se refere às suas necessidades financeiras e econômicas relativas ao seu custeio e a sua manutenção. As responsabilidades que caberiam aos governos centrais e regionais têm sido remetidas para os governos locais, os municípios, e para as próprias unidades escolares, dando a idéia de que podem se autogerir. A escola acaba por se defrontar com um novo desafio, no sentido de se organizar segundo as necessidades do mercado.
As mudanças no contexto sociopolítico que penetram e permeiam o cotidiano escolar se articulam com as mudanças ocorridas no próprio modo de produção capitalista na contemporaneidade. O sistema de automação influencia o modelo de produção das indústrias, com implicações em diferentes instituições dos diversos campos sociais, inclusive da escola. Nesse movimento de transformação nos processos produtivos, os novos modelos de gerenciamento e produção adotados nas indústrias apontam para uma maior participação dos trabalhadores, a fim de se obter melhor desempenho econômico através da aproximação entre a cúpula da empresa e a sua base. Desse modo, a participação é afirmada como um meio de se ter um bom crescimento da empresa, possibilitando a solução de problemas. Mota (1986, p. 86) chama a atenção para o fato de que “diversos pesquisadores voltaram-se para o estudo das relações existentes entre o tipo de tecnologia adotada e a estrutura social das organizações” e mais adiante destaca algumas das mudanças que vêm ocorrendo no mundo das empresas:
Surgem conselhos de representantes, comitês de empresa, comissões de fábrica, etc. Embora essas formas de participação estejam freqüentemente associadas à idéia de autonomia e de democratização das relações do trabalho, do ponto de vista administrativo, elas desempenham um papel de mecanismo de ligação entre a base e a cúpula, além de agirem como mecanismo de coesão e formação de consenso (MOTA, 1986, p.91).
É, pois, preconizada certa abertura para a participação nas empresas, porém sob a lógica do controle, da busca de eficiência e eficácia, traduzidas na melhoria dos índices de produtividade.
Também no campo da gestão da educação e da escola, o tema da participação tem-se colocado com maior força. Veiga (1998, p. 67) chama a atenção para a centralidade que tal tema tem assumido na organização do campo educacional, ainda que com os diferentes contornos que lhe têm sido atribuídos:
A participação é hoje uma idéia, uma força e uma palavra-chave. Apesar de as recomendações sobre a temática terem começado a aparecer no Brasil por volta da década de 1970, ela foi implementada e mais fortemente estimulada pelo próprio Estado da década de 1990. Nos anos 80, a participação estimulada pelo Estado objetivava resolver problemas de ordem econômica, para os quais não havia verbas.
Pazeto (2000, p. 16), por sua vez, avalia:
A idéia de gestão contém a concepção de coordenação e de participação. A participação constitui um dos componentes indispensáveis da gestão, particularmente quando ela é fruto do quadro de atores, quando ela é da sua atuação responsável. A diversidade de formas de participação e a intensidade com a qual ela é exercida correspondem ao grau de identificação e de comprometimento dos integrantes com a missão e com o projeto da instituição. A solidariedade, a reciprocidade e o compromisso são valores que justificam a participação no processo de gestão.
Certamente, a participação na escola deve orientar-se de modo que a comunidade escolar esteja comprometida com a melhoria da escola, o que envolve não apenas os conteúdos, mas também os processos de tomada de decisão relativos aos aspectos administrativos, pedagógicos e organizacionais que envolvem todo ambiente escolar. A defesa da participação se constitui, portanto, em caminho fundamental para a democracia, o que implica romper com as estruturas que produzem relações hierárquicas de poder, marcadas pelo centralismo e pelo autoritarismo, na direção de uma maior abertura e de uma efetiva participação dos diferentes segmentos na definição e na construção dos rumos da escola.
Todavia, se por um lado é possível reconhecer a centralidade e a urgência do tema da participação no campo da gestão da educação, por outro, é preciso reconhecer, também, que essa participação, no contexto das organizações, inclusive na escola, representa um fenômeno complexo, de múltiplas faces e características. Ou seja, a idéia, o conceito e a prática de participação são ambíguos e podem refletir diversas realidades, o que conduz a diferentes formas de se conceber e classificar o ato de participar.
Lima (2003), ao tomar a escola como foco de estudo, chama a atenção para o fato de que a participação no contexto da organização escolar deve considerar não apenas o que está definido nos planos das orientações para a ação organizacional, mas também e principalmente o que se realiza no plano da ação organizacional. Ao propor essa perspectiva de análise, o autor destaca que, além de se considerar as estruturas e regras formalmente instituídas na escola, é preciso voltar o olhar para um nível intermediário e um nível profundo da organização escolar. O reconhecimento desses níveis de organização da escola possibilitaria apreender a existência de regras não apenas formais, mas também as regras não-formais e as regras informais. Como explica Lima (2003, p.53),
a distinção entre regras não formais e regras informais obedece principalmente a um critério de estruturação (maior ou menor). Como vimos, as regras formais são totalmente estruturadas e fixadas em documentos. Já as regras não formais apresentam uma estruturação de tipo diferente, dado o seu caráter não oficial, a sua circulação geralmente mais restrita e o seu alcance mais limitado.

Produzidas no seio da organização, são regras estruturadas ou semi-estruturadas que podem tomar forma escrita e que tanto podem se orientar para a formulação e os procedimentos operativos das regras formais, como para áreas de intervenção não formalmente regulamentadas ou legalmente consideradas.
Por seu turno, as regras informais não são estruturadas, costumam ser ainda mais circunstanciais e não podem ser generalizadas a toda organização ou mesmo aos seus largos setores.
Têm um alcance mais limitado, podendo ser mesmo produzidas de forma ad hoc para a resolução de um problema específico. A sua existência raramente está detectada através de documentos escritos; pode-se, quando muito, inferi-la através de atos e decisões.
Circulam menos abertamente na própria organização, podendo, em casos extremos, assumir alguma confidencialidade ou mesmo revestir-se de um certo secretismo. São regras geralmente produzidas e partilhadas por pequenos grupos e, se umas vezes são a afirmação de um grau de autonomia possível e legítima do ponto de vista formal, outras vezes assumirão a realização de interesses particulares não passíveis de legitimação formal, a resolução de problemas que não é possível admitir legalmente sem incorrer em sanções, num certo tipo de regulação e funcionalidade que pode contrariar frontalmente os requisitos formalmente estabelecidos (LIMA, 2003, p.54).

Considerando esses diferentes graus de formalização das regras, Lima (2003) propõe diferentes tipos de participação, levando em conta a existência de regras e regulamentações. A participação formal se estrutura a partir de documentos, de modo que legitima certas formas de intervenção e impede outras. Por sua vez, a participação informal, produzida e partilhada em pequenos grupos, pode constituir-se a partir de uma regra não-formal, admitindo-se outros desenvolvimentos e outras adaptações não previstos nas normas e nos regulamentos. Nessa perspectiva de análise, o autor propõe quatro critérios para análise da participação praticada: democraticidade; regulamentação; envolvimento; orientação. Com base nesses critérios, são apresentados vários tipos e graus de participação.
Pelo critério da democraticidade, a participação se caracterizaria pelo seu caráter de uma participação direta ou uma participação indireta. Na participação direta, há a intervenção direta dos sujeitos no processo de tomada de decisões, sendo realizado tradicionalmente pelo exercício do direito de voto. A participação indireta, por sua vez, é realizada por intermédio de representantes designados, podendo ser convocados de diferentes formas e com base em diferentes critérios. Esse segundo tipo de participação pode ser válido, mas é preciso cuidado para que o representante não considere apenas o seu próprio interesse.
A partir do critério da regulamentação, são propostos três tipos de participação: formal, não formal e informal. No primeiro caso, a participação praticada teria como referência as regras formalmente instituídas, as quais regulamentariam o exercício, as orientações e as limitações em que ela se desenvolveria, de modo que essas regras legitimariam certas formas de intervenção e impediriam, em termos formais, outras formas.
De outra parte, a participação não formal se realizaria tendo como base regras menos estruturadas formalmente, de modo que esse tipo de participação implicaria sempre uma ação de interpretação das regras formais, o que poderia levar tanto à manutenção quanto à mudança da realidade existente.
A participação informal, por sua vez, teria como referência as regras informais, não são estruturadas formalmente. Na maioria das vezes, esse tipo de participação se realiza em pequenos grupos e em torno de objetivos específicos, não definidos pelas regras formais, que podem estar orientados no sentido de uma oposição a essas regras, ou mesmo de complementaridade a elas.
A ação dos sujeitos da escola, no que diz respeito ao desenvolvimento da instituição, pode evidenciar diferentes níveis de empenho, de atitudes e de comprometimento frente às possibilidades de participação na organização escolar. Nesse sentido, a participação se definiria pelo grau de envolvimento, que incluiria três tipos de participação: ativa, reservada e passiva (LIMA, 2003).
No contexto escolar, a participação ativa caracteriza-se pelo conhecimento profundo dos agentes da escola sobre os seus direitos e deveres. As pessoas que se situam nesse grupo são aquelas que utilizam de recursos, tais como: eleição de representantes, divulgação de informação, recursos a lutas sindicais e greves, além de formas de contestação e oposição. São indivíduos comprometidos com a transformação efetiva das atuais condições da escola, sugerindo, opinando e agindo.
De outra parte, há realidades em que existe o envolvimento mínimo dos participantes, sem expressão e com atitudes de desinteresse e alheamento, nas quais se configura o que se denomina de participação passiva. São representados por aqueles que não se envolvem, ou se envolvem o mínimo, não comparecem a certas reuniões e não obtêm informações, o que conduziria a uma alienação de responsabilidades.
Ainda de acordo com o critério do envolvimento, a participação pode assumir as características de uma participação reservada, situando-se num ponto intermediário entre a participação ativa e a participação passiva. Tal tipo de participação caracteriza-se por atividades menos voluntárias e sem empenho de recursos. Representa aqueles que, para não se comprometer, preferem não opinar e não correr certos riscos, não se comprometendo com o futuro.
Sob o critério da orientação, a participação praticada é vista sob dois ângulos: convergente e divergente. A participação convergente se orientaria para o consenso, com vistas a realizar os objetivos formais definidos; de outra parte, a participação divergente se traduziria nas rupturas e contraposições às orientações oficialmente estabelecidas.
A não-participação ocorrida na maioria das escolas também deve ser analisada, pois essa não-participação, de certa forma, constitui-se num tipo de participação.
No plano das orientações para a ação organizacional, a não-participação pode ser consagrada ou decretada. A não-participação consagrada se definiria a partir da não regulamentação da participação, por meio da omissão às regras para que a participação pudesse ocorrer. De outro modo, a não-participação decretada se configuraria quando se estabelecem exceções ou situações específicas para que a participação não venha a se efetivar; ou quando se explicitam os casos em que é vedada a participação de algum setor ou segmento. Nessa perspectiva, a nãoparticipação decretada seria uma forma de não-participação imposta ou forçada.
Referenciando-se ao plano de ação organizacional, a não-participação pode ser tipificada em imposta ou forçada, induzida e voluntária. A primeira decorreria de orientações predominantemente externas ou internas à organização; a segunda estaria relacionada aos processos e às dinâmicas institucionais que conduzissem ou inviabilizassem a efetiva participação; e, por último, a não-participação voluntária decorreria de escolhas individuais ou de estratégias de grupos e subgrupos, sem que houvesse elementos de imposição ou indução dessa não-participação.
A perspectiva de análise e a tipologia propostas por Lima (2003) não devem ser tomadas como modelos fechados de interpretação da realidade. É preciso que a participação e a não-participação nos processos de trabalho, no contexto das instituições e dos sistemas educativos, possam assumir diferentes contornos e características, sendo que, com freqüência, será possível encontrar em um mesmo contexto formas distintas de a participação se realizar ou não, seja no plano da prática da ação organizacional ou no plano das orientações para ação.
Ao gestor educacional é fundamental ter clareza, teórica e prática, de que a participação não se realiza de uma única forma e sempre com as mesmas características.
Por fim, como alerta Lucas (1975), apenas o ato de participar não implica que isso será de fato bom. A participação é um tema que está em voga, mas precisamos analisá-la compreendendo suas diversas faces. Todos a desejam, mas por vezes os envolvidos estão poucos satisfeitos com as tentativas de alcançarem suas pretensões.
Portanto, cabe ao gestor educacional ter clareza quanto aos caminhos que pretende construir, de modo a se criar condições para que a participação seja a mais ampliada e efetiva possível, tanto nos processos de tomada de decisão quanto na organização dos trabalhos nas instituições e nos sistemas educativos. Por certo, nenhuma forma de participação é plenamente satisfatória. Há sempre vantagens e desvantagens. Mesmo que encontremos dificuldades e diversidades, a participação ainda é o meio mais democrático para uma educação responsável. Saber encontrar caminhos para lidar com inúmeros pares possibilitará que a participação seja mais concreta e justa.

4 O gestor escolar frente ao desafio da participação do planejamento do trabalho escolar: dimensões e significados
4.1 Referências
DOURADO, L. F.; PARO, V. H. (orgs.). Políticas públicas e educação básica. São Paulo: Xamã, 2001.
FRIGOTTO, G. O contexto sócio-político brasileiro e a educação nas décadas de 70/90. In: Contexto & Educação. Ijuí: Ano 6; n° 24; out./ dez. 1991.
GRACINDO, R. V. Estado, sociedade e gestão da educação: novas prioridades, novas palavras de ordem e novos-velhos problemas. In: Revista Brasileira de Política e Administração. v.13, n°1, p. 7-18. Porto Alegre: ANPAE, Jan./Jun. 1997.
LIMA, L. C. A escola como organização educativa. São Paulo: Cortez, 2001.
LUCAS, R. Democracia e participação. Brasília: Universidade de Brasília, 1985.
MOTTA, F. C. P. Organização e poder: empresa, estado e escola. São Paulo: Atlas, 1986.
PAZETO, A. E. Participação: exigência para a qualificação do gestor e processo permanente de atualização. Em Aberto. v. 17, n° 72, p.163-166, Fevereiro/ Junho. 2000.
SILVA, M. S. P. da. Organização do trabalho escolar e as políticas educacionais no limiar do século XXI. In: CICILLINI, G. A.; NOGUEIRA, S. V. (orgs.). Educação escolar: políticas, saberes e práticas. Uberlândia: EDUFU, 2002.
VEIGA, I. P. A. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. Campinas: Papirus, 1995.
VEIGA, I. P. A.; FONSECA, M. (orgs.). As dimensões do projeto políticopedagógico: novos desafios para a escola. Campinas: Papirus, 2001.
VEIGA, I. P. A.; RESENDE, L. M. G. Escola: espaço do projeto político-pedagógico. São Paulo: Papirus, 1998.

OBS: Este material pertence a Escola de Gestores/UFBA/MEC








Livro III – Conselho Escolar e o respeito e a valorização do saber e da cultura do estudante e da comunidade

parte 1
Caro(a) pesquisador
Nesse livro vamos continuar refletindo sobre a importância da presença do saber e da cultura sobre a negação no processo didático-pedagógico da escola. O livro divide-se em três partes - a formação humana e os desafios; a superar no âmbito da escola; a pedagogia da emancipação na escola e o encontro dos saberes.

Parte I – A escola, o Conselho Escolar e o processo de formação humana
A escola é a instituição especializada da sociedade para oferecer oportunidades educacionais que garantam a educação básica de qualidade para todos. A prática educativa escolar tem a função de contribuir para que cada um dos estudantes:
  • amplie seu conhecimento e a capacidade de descobrir, criar, questionar, criticar e transformar a realidade;
  • amplie sua capacidade de viver, de se alegrar e de trabalhar com os outros,na co-responsabilidade sociopolítica e cidadã;
  • torne maior sua sensibilidade para encontrar sentido na realidade, nas relações e nas coisas, contribuindo para a construção de uma nova sociabilidade humana, fundada em relações sociais de colaboração, co-responsabilidade e solidariedade.
Por que o respeito e o cultivo da diferença são fundamentais para a educação das pessoas?
Para que a escola ofereça essa contribuição é preciso respeitar a história de vida das crianças, seu conhecimento, sua sensibilidade, seus valores, produzidos na convivência cotidiana na sua comunidade. A criança não é um recipiente no qual se despejam coisas. A criança é um sujeito, ela produz conhecimento, ela constrói a sua fala.
  • Educar é totalmente diferente de treinar, domesticar, adaptar, moldar, adequar, integrar.
  • Educar não é enquadrar, incutir um padrão ou modelo, mas é formar pessoas autônomas, sujeitos livres e responsáveis.
A função da escola é garantir educação aos estudantes, contribuindo para que se tornem sujeitos, isto é, autores e senhores de suas vidas. Isso significa criar oportunidades para que eles decidam, pensem, tornem-se livres e responsáveis, autônomos,emacipados.
 
Como construir a emancipação numa sociedade de exclusão? 
Em cada momento de nossas vidas estamos aprendendo com os outros, com nós mesmos. O entorno social (a comunidade, a família, os parentes, os amigos e os vizinhos) e os espaços em que nos situamos (bairro, cidade, região, país e mundo) têm estreita relação com nossa produção humana. Nesse contexto, a escola é a instituição especializada e indispensável para impulsionar essa produção humana.
No entanto, é preciso realçar que numa sociedade contraditória, com interesses opostos em jogo, a escola tende a reforçar os interesses dos grupos que detêm maior poder na sociedade. Por isso, é indispensável que todos os que integram a escola, em especial o Conselho Escolar, permaneçam atentos e vigilantes, para evitar que a escola contribua para reforçar as condições e práticas que ajudam a manter a injustiça e as desigualdades sociais. Somente dessa forma a escola evitará a prática que discrimina o saber do estudante e a cultura da comunidade. Portanto, para que a escola cumpra sua função de criar as condições para a aprendizagem do estudante, sua prática deve contribuir, antes de tudo, para a emancipação das pessoas.Construir uma educação emancipadora e inclusiva é instituir continuamente novas relações educativas numa sociedade contraditória e excludente.
Essa prática demanda, de todos os segmentos escolares, o desempenho efetivo de suas funções. Todos têm uma função a desempenhar. O Conselho Escolar, além de possuir a função de zelar pela aprendizagem, é, também, a instância garantidora do coletivo escolar, do compartilhamento.
No cumprimento de sua função, o Conselho Escolar tem o papel de estimular a presença indispensável da cultura da comunidade, do povo, da vida cotidiana das crianças e dos jovens no projeto e no trabalho pedagógico da escola. Se a escola não trabalhar o saber, não integrar no seu currículo o patrimônio cultural da comunidade, ela não estará cumprindo sua função.
A escola que apenas dissemina informação, que não integra o saber e a cultura da comunidade, é uma escola discriminatória, porque nega a educação, limitando as suas possibilidades. Vamos ver como ocorre essa prática limitadora, que faz da própria escola um lugar de exclusão social e cultural. Apesar de toda a dedicação, empenho e vontade de ensinar e aprender, nessa prática excludente acontece a negação da educação que emancipa e transforma.
EDUCAÇÃO É O PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO HUMANA 

Parte I – A escola, o Conselho Escolar e o processo de formação humana
1.2 A escola da exclusão e os desafios para sua superação
 
Na escola pode ocorrer a pedagogia da discriminação. É preciso respeitar e cultivar as diferenças para que as pessoas possam decidir, pensar e se tornar livres e responsáveis. Os seres humanos são diferentes uns dos outros; seu comportamento é algo construído, elaborado e dinâmico. Quando o saber e a cultura dos estudantes são desrespeitados, negam-se suas origens geopolíticas, étnicas e sociais com todas as suas contribuições e história. Esse desrespeito é discriminatório, abre caminho para a intolerância, para a insensibilidade e a falta de ética. Deixa-se margem para a imposição de uma verdade como única, impondo a uniformidade. Com o não respeito ocorrem vários problemas, dentre os quais se destacam o sentimento de rejeição, a desmotivação, dificuldades de aprendizagem e a exclusão.
A negação do saber do estudante na relação pedagógica provoca a evasão escolar por falta de estímulo, porque quando não há valorização da cultura do cidadão ele se sente excluído. Negam-se as condições para a autonomia e para a construção da cultura da participação. Quando a escola não reconhece, não respeita e não valoriza o saber do estudante, acontece a exclusão, porque se nega a identidade do estudante e seu direito de se educar como sujeito constituído socialmente. A intervenção educativa da escola só faz sentido se, de fato, contribuir para a formação das pessoas, dos estudantes. Caso não se preste atenção às diferenças e não se integre no processo pedagógico o saber que as crianças, os adolescentes e os jovens têm, sua vida e sua cultura, a escola não poderá contribuir para ampliar o conhecimento e intervir significativamente na educação das pessoas. Pode, até, tornar-se um lugar de negação da educação. 

Quais são os desafios de exclusão social e negação da educação que a escola tem que enfrentar e superar?

Dados oficiais sobre a educação apontam problemas muito sérios, tanto quantitativos (como dados relativos à não-presença e matrícula e à não progressão das crianças, dos adolescentes e dos jovens na escola), quanto qualitativos (como o baixo desempenho da educação escolar brasileira). De um lado, nega-se a educação ao cidadão pelo não-acesso. Ainda há muitas crianças sem acesso à educação básica. O número de brasileiros que não freqüentam a escola em idade de educação obrigatória é significativo. Os dados revelam a precariedade das condições objetivas de muitos e denunciam, inclusive, situações de trabalho infantil.
De outro lado, nega-se a educação ao cidadão quando os estudantes não aprendem, quando são reprovados ou retidos na mesma série. Nega-se a educação ao cidadão quando se promove automaticamente, fazendo os estudantes avançarem na escola para séries seguintes sem que tenham aprendido. A escola só faz sentido como espaço de formação humana, de aprendizagem significativa. A negação da educação ao cidadão agrava-se mais ainda quando o que os estudantes aprendem para progredir não é relevante e significativo para sua formação humana, para a sua vida. Isso ocorre quando o estudante, mesmo sendo aprovado, não aprendeu o que é essencial para sua educação básica.
A escola que Não ensina o que é necessário e significativo Não respeita nem integra o saber do estudante Não respeita nem integra o saber e a cultura da comunidade é incapaz de educar, porque reforça a desigualdade social e nega a educação para a emancipação.
Há, inclusive, preconceitos étnicos, raciais, religiosos e de classe que criam discriminações, favorecendo alguns e desfavorecendo a muitos. Essa discriminação, por vezes, vai além da distribuição desigual de oportunidades educacionais. Chega a produzir grupos sociais marginalizados, como revela a crescente exclusão social de muitos, na educação e na sociedade brasileiras.Essa separação entre incluídos e excluídos aumenta a divisão social, uma vez que um excluído é posto totalmente à margem; nem explorado, dominado ou oprimido ele é. Tudo isso pode ser a raiz dos altos índices de violência registrados nas sociedades atuais.
A escola, com a vigilância e o apoio responsáveis do Conselho Escolar, é um dos espaços e uma das instituições sociais em que podem ser criadas oportunidades de aprendizagem emancipadora, rompendo com essa pedagogia da exclusão

Parte II – A escola da inclusão: pedagogia da emancipação
 
 
Parte II – A escola da inclusão: pedagogia da emancipação
2.1 Educação básica e formação humana
função

Parte II – A escola da inclusão: pedagogia da emancipação
2.2 O saber e o conhecimento no ato pedagógico
 
 
O saber é mais amplo que o conhecimento. São três a dimensões do saber: o pensar, o sentir e o agir.
A sensibilidade e o respeito, a convivência e a solidariedade, o compromisso e a responsabilidade, a apropriação e a produção do conhecimento são aspectos importantes a serem desenvolvidos na educação básica. Nesse sentido, a formação humana na escola é um processo de aprendizagem integral. Nessa aprendizagem desenvolvem-se as condições subjetivas para ser sujeito e autor de seu futuro e contribuir para a construção da história.
Um dos aspectos mais importantes desse processo é a apropriação da riqueza cultural produzida pela humanidade. É fundamental que cada cidadão construa em si o saber integrante da educação básica e aprenda a pensar criticamente, a produzir conhecimentos. O conhecimento é um objeto específico do ato pedagógico de fundamental importância. Para ser sujeito e autor de sua história, é indispensável que o estudante se aproprie do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade e desenvolva as condições para produzir novos saberes.
Como o conhecimento pode e deve ser trabalhado na escola?
Um dos aspectos mais decisivos importantes para o Conselho Escolar é acompanhar a forma como a escola trabalha o conhecimento.
O conhecimento pode ser entendido como produto, como informação, ou pode ser entendido como processo, como construção. Essas duas compreensões são opostas e, por isso, determinam formas completamente diferentes de trabalhar com os estudantes. Essa visão oposta de conhecimento vem acompanhada de visões opostas de sociedade, de pessoa humana e de educação. Não são só visões diferentes, são contraditórias.
Se a escola trabalhar o conhecimento como simples informação a ser passada ao estudante, ela não respeitará o saber que ele traz consigo, nem levará em conta o patrimônio cultural da comunidade. Para ela, o conhecimento e o patrimônio cultural da comunidade precisa ser substituído pelo saber considerado erudito, científico. Essa é a educação bancária, denunciada por Paulo Freire. Com essa visão de conhecimento, o trabalho pedagógico leva à memorização de informações, e o máximo que o estudante consegue é repetir, porque guardou na memória.
Caso a escola trabalhe o conhecimento como construção, ela procurará mediar o encontro dos saberes diferentes: o saber erudito, científico, com o saber do estudante e de sua comunidade.
O trabalho escolar pode tratar o estudante como objeto, como depósito de informações (conhecimento como produto/informação) ou como sujeito, autor de sua educação (conhecimento como saber, como construção/processo).
Mas é preciso ampliar sua capacidade de comunicação, apropriando-se da língua segundo a norma culta. Essa apropriação não se dá desqualificando a língua que o estudante fala, mas, sim, no confronto, no aprofundamento, no encontro das diferentes formas de expressão. A língua culta e a língua popular são duas formas de comunicação igualmente válidas. As pessoas não falam do mesmo jeito em todos os lugares. Mas é preciso ampliar sua capacidade de comunicação, por meio da apropriação da língua segundo a norma culta. Nessa visão de conhecimento, o saber do estudante e o patrimônio cultural da comunidade são respeitados e valorizados. Eles não são somente o ponto de partida para que o professor consiga fazer o estudante entender e se apropriar do saber científico. Eles constituem parte integrante da formação humana. Portanto, são saberes a serem integrados e valorizados na prática pedagógica.
De que modo é trabalhado o conhecimento como mera informação?
O conhecimento como informação, como produto, é um conjunto de conteúdos. Como ele não se reduz a informações, essa visão de conhecimento leva à sua redução no ato pedagógico. Se o objeto do trabalho pedagógico é o conhecimento como informação, a função e o objetivo do ato pedagógico é a transmissão de informações, de “saberes”, para que eles sejam guardados na memória ou retidos pelos estudantes. Os “conteúdos” ou as informações devem ser “transmitidos” pelos profissionais da educação e devem ser “assimilados” pelos educandos. O importante é que o estudante “repita” determinados saberes, memorize-os,tornando-se uma “enciclopédia ambulante”. Nesse sentido, um computador e uma enciclopédia “saberiam” muito mais do que as pessoas. Uma educação com essa visão de conhecimento contribui, no máximo, para a produção de pessoas individualistas e competitivas.
Com essa compreensão de “conhecimento” podem ser justificadas uma prática pedagógica e uma gestão escolar autoritárias. Nada impede que o “conteúdo” seja imposto e a prática educativa seja autoritariamente gerida. A heterogestão e a hierarquia são inerentes à relação entre os que sabem e devem transmitir e os que não sabem e devem assimilar.
O conhecimento visto como informação leva as pessoas a entenderem as coisas como eternas e imutáveis. Perde-se o dinamismo da vida e do processo, do mundo como produto de construção histórica. Cai-se no equívoco de que tudo é natural. O próprio conhecimento se torna uma “coisa”. Ao ser transformado em coisa, o conhecimento torna-se uma mercadoria, um produto a ser guardado em “patentes”, privatizado e usado como mecanismo de dominação e de exclusão. A compreensão do conhecimento como processo, como construção, implica a intersubjetividade, a parceria, a partilha, e se opõe a toda forma de redução do conhecimento a mercadoria. O contraponto dessa lógica é o conhecimento visto como direito.
De que forma é trabalhado o conhecimento vivo e dinâmico como processo e como construção?
O conhecimento como processo, como produção, é a construção do saber. Se o objeto do trabalho pedagógico é o conhecimento como construção, a função e o objetivo do ato pedagógico é a ampliação do saber dos educandos sobre determinada realidade. O “conteúdo”, as informações ou o saber “historicamente acumulado pela humanidade” devem ser trabalhados (e não “assimilados”) no ato pedagógico. No confronto entre o saber do educando e o saber da humanidade, o educando amplia o seu saber e constrói capacidades e aptidões sociais, afetivas e cognitivas. O importante é que o estudante compreenda o contexto, construa seu dizer e desenvolva seu raciocínio lógico e criativo para participar ativamente da vida social. Trabalhando o conhecimento vivo, o estudante não repete, mas cria, porque constrói o seu dizer, a sua própria palavra e desenvolve a sua competência para exercer o direito de se pronunciar, compreendendo criticamente o contexto no qual vive.
O ato pedagógico centrado no conhecimento como construção é, por exigência, interativo, interpessoal, participante e democrático. Essa forma de ver exige que a gestão da escola seja compartilhada. A c responsabilidade de todos os segmentos e atores da prática educativa escolar é inerente à relação entre as pessoas envolvidas na aventura humana de ampliar o saber e construir as capacidades e as condições subjetivas para todos serem sujeitos da história. A Figura a seguir apresenta de forma resumida as duas maneiras de compreender o conhecimento e as principais diferenças do trabalho na escola.
concepçao1
 
 
Parte III – O encontro dos saberes: pedagogia do respeito e da integração
saberes
Parte III – O encontro dos saberes: pedagogia do respeito e da integração
3.1 Aprendizagem no encontro de saberes
 
O respeito e a valorização do saber dos estudantes, a integração e a ampliação desse saber, constituem o cerne e o propósito da educação básica. Aprender ou conhecer não acontece simplesmente por transmissão, socialização ou troca. Embora no ato pedagógico haja aspectosde “transmissão”, de “socialização” e de “troca”, a mediação pedagógica não se reduz a isso. Aprender ou conhecer é resultado do encontro e do confronto de saberes.
Como é que, de fato, a gente aprende?
Aprender ou conhecer não se reduz à transmissão e assimilação de conhecimento, nem à socialização do saber, nem à troca de conhecimentos. O saber é construído no cotidiano das pessoas, e essa construção é impulsionada na relação pedagógica. Saber se constrói nas relações sociais. Saber se respeita e se amplia.
A socialização do conhecimento não é suficiente, porque não é estendido/passado o mesmo conhecimento de um para o outro, como se o conhecimento do professor passasse para o estudante, ficando também no professor. O saber do estudante e o saber sistematizado devem se fazer presentes no ato pedagógico, para que haja o encontro/confronto dos saberes. Portanto, o professor, para mediar esse encontro, é responsável docente pela apresentação do saber sistematizado. Entretanto, esse saber não se socializa no sentido de se distribuir para que esteja com todos e em todos do mesmo jeito. Ele é retrabalhado e reconstruído em cada estudante. Tanto isso é verdade que, por exemplo, quando aprendemos uma língua ou lemos um texto, não temos a mesma aprendizagem.
Não é mera troca, porque o conhecimento do professor não é trocado pelo conhecimento do estudante. O conhecimento não é uma mercadoria. Não pode ser trocado. Quando se usa a palavra “troca”, quer-se, apenas, lembrar que o ato pedagógico não é um monólogo do professor para os estudantes. O estudante também deve apresentar o seu saber, que ao ser aceito e respeitado pelo professor e pelos colegas amplia os processos culturais de todos.
  • Aprender ou conhecer é ampliar o que já se sabe no desafiador e fascinante encontro ou confronto de saberes diferentes.
  • A aprendizagem escolar não anula, nem substitui as aprendizagens construídas na comunidade.
  • Diferentes saberes coexistem nas pessoas e se enriquecem no encontro de saberes.
A relação entre as pessoas tornou-se historicamente mais complexa. Por muito tempo as relações se fundavam na força, depois passou a dominar a riqueza e, recentemente, vêm-se instituindo novas formas de dominação.
Quando se usa a força, o comportamento das pessoas é determinado pela ameaça, pelo castigo e pelo medo. Quando se usa a riqueza, além da ameaça de não receber ou de perder dinheiro, há a possibilidade de recompensa, de ganhar mais ou de perder menos. Nesse caso, procura-se a vantagem nas relações.
A força e a riqueza, quando usadas, se gastam e são limitadas. Nas novas formas de dominação, o conhecimento vem se instituindo no interior das relações humanas entre as pessoas, os grupos e os povos. Domina-se ou dirigi-se, agora, pelo conhecimento. O conhecimento, quando apropriado e construído coletivamente, não se consome, não diminui, nem domina ninguém, torna-se vontade coletiva. A construção coletiva do conhecimento é uma forma de compartilhamento do poder, onde todos se tornam dirigentes.

O conhecimento é a única realidade que se multiplica quando é dividido. 

Parte III – O encontro dos saberes: pedagogia do respeito e da integração
3.2 Condições para o encontro de saberes
Para que haja encontro de saberes é preciso promover situações em que os estudantes se defrontem com os diferentes saberes. Quando há, aparentemente, “transmissão de informações” ou “socialização de saberes”, como em uma palestra ou aula expositiva, ou aparente “troca de informações”, como em um trabalho de grupo, a aprendizagem só acontece quando há encontro dos saberes, confronto entre o que os ouvintes de uma exposição ou participantes do grupo pensam e a informação que é apresentada.
Portanto, mais importante que o acesso à informação ou ao saber, é o processo de encontro e confronto entre os saberes, para que ocorra a aprendizagem. No quadro abaixo, sobre a riqueza do conhecimento, está a síntese do processo de aprender, que ultrapassa, embora inclua de certo modo, a “transmissão”, a “socialização” ou a “troca” de conhecimentos. A história do espelho, como situação- problema de encontro de saberes, é esclarecedora do processo vivido quando se partilham diferentes conhecimentos e todos saem aprendendo. 

O ENCONTRO DOS SABERES É O NÚCLEO DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM 

O saber, o conhecimento, a sensibilidade, a convivência social e o sentido são realidades que:

1) se multiplicam quando divididas,
2) aumentam quando usadas.

sorriso Trabalhar o saber nessa perspectiva fundamenta o compartilhamento, a democracia e a construção de um mundo justo, de qualidade de vida digna para todas as pessoas.

O Conselho Escolar é a instância de zelo por esta educação básica, pública, gratuita, universal e de qualidade social.
Conselhos escolares, respeito e valorização do saber e da cultura do estudante e da comunidade 
 
Referências
AGUIAR, Márcia Ângela da Silva; FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Orgs.). Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
ANDRÉ, M. E. D. A. (Org.). Pedagogia das diferenças na sala de aula. São Paulo: Papirus, 1999.
APAP, Georges et al. A construção dos saberes e da cidadania: da escola à cidade. Tradução Cláudia Schilling. Porto Alegre: Artmed, 2002.
AQUINO, J. G. Diferenças e preconceito na escola. São Paulo: Summus,1998.
––––––. Qualidade do ensino: a contribuição dos pais. São Paulo: Xamã, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
––––––. Pedagogia do oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
––––––. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
PARO, V. H. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Ática, 1997.
SENNETT, R. Respeito: a formação do caráter em um mundo desigual. Rio de Janeiro: Record, 2004.
SILVA, T. T. da. Identidade e diferença: a perspectiva de estudos culturais. Porto Alegre: Artmed, 1999.
WITTMANN, Lauro Carlos; GRACINDO, Regina Vinhaes (Coords.). O estado da arte em política e gestão da educação no Brasil: 1991 a 1997. Brasília;Campinas: ANPAE; Autores Associados, 2001. 

 OBS: este material pertence a Escola de Gestores/ UFBA/ MEC.