segunda-feira, 4 de abril de 2011

Livro I- O direito à educação: limites e perspectiva.

1. Perspectivas histórico-teóricas
Um dos temas que iremos discutir é a educação como um dos direitos humanos. Assim, inicialmente, é importante problematizar o conceito de direitos humanos e os seus desdobramentos. A princípio, como salientam Hoy e Haddad (2005, p. 6), lembremos que os direitos humanos:

constituem um conjunto de princípios aceitos universalmente, reconhecidos pelas Constituições dos diferentes países e garantidos através de normas jurídicas. Eles objetivam assegurar o respeito à dignidade de todos e todas. O respeito à dignidade, por seu turno, envolve considerar as dimensões: individual, social, material e espiritual das pessoas.




Procurando explicitar mais claramente o conceito de direitos humanos, esses dois autores destacam que os direitos humanos têm por objetivo: "assegurar que qualquer pessoa, não importando sua nacionalidade, religião, opinião política, raça, etnia e preferências sexuais, possa desenvolver plenamente os seus talentos" (p.6).
E prosseguem:
Respeitar os direitos humanos de cada pessoa significa reconhecer que toda pessoa é única e que suas características não devem ser usadas para discriminar [...]. Assim, tratam-se de direitos inerentes à pessoa humana e que, por serem característica fundamental de todos os seres humanos, não podem ser desrespeitados, violados e não efetivados (p. 7).




Mas por que surgiram os direitos humanos?
Para obtermos uma resposta a essa questão — embora ela vá ser aprofundada em outro momento — vale, de partida, lembrar que o estabelecimento dos direitos humanos decorreu das tentativas das Nações Unidas de criar uma estreita cooperação e solidariedade internacional, para que a humanidade ficasse protegida das aberrações do nazismo e do fascismo, expressas durante as duas grandes guerras do século XX (MENGOZZI, 1992).

 Tendo suas origens logo após a Segunda Guerra, para assegurar a dignidade humana, a proclamação desses direitos objetivou e objetiva garantir um padrão de vida digno a todas as pessoas, o que se traduz no direito à educação, à saúde, à habitação, ao meio-ambiente, à participação política, entre outros.
A Teoria da Cidadania classifica os direitos humanos em três grupos: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais, os quais também são considerados como direitos de cidadania.




1.1 Os direitos humanos: uma abordagem conceitual
Essa classificação dos direitos humanos tem-se ampliado, na medida em que as pessoas desenvolvem novas necessidades, em virtude do modo perverso como as sociedades evoluem.
A não consideração da diversidade cultural existente entre os povos, o desrespeito ao meio ambiente (devastação da natureza, poluição do ar e da água, acúmulo de lixo etc.), dentre outros problemas, provocaram o surgimento de outra classificação de direitos humanos. Essa nova classificação objetiva tanto a proteção individual e social da pessoa, quanto a proteção dos direitos da humanidade de um modo mais amplo. Os novos direitos são chamados de “direitos da terceira geração”, que incluem o direito ao desenvolvimento e à autodeterminação dos povos, nos quais se enquadra o direito das futuras gerações de terem as condições socioambientais adequadas à sobrevivência. Desse modo, busca-se assegurar que a vida das pessoas e dos povos seja melhor e mais saudável tanto no presente como no futuro (GRACIANO, 2005).
Independentemente dos direitos de primeira geração (os direitos civis), de segunda geração (os direitos políticos e sociais) e de terceira geração acima comentados, é importante lembrarmos que o direito à educação, ao permitir que as pessoas sejam escolarizadas, cria as condições para um melhor exercício da sua cidadania, já que os indivíduos adquirem ferramentas necessárias para defenderem os demais direitos e/ou deles usufruírem.

1.2 A educação como direito no contexto dos direitos humanos: uma abordagem histórica
A continuidade da nossa reflexão a respeito da educação como direito acontece neste texto através da problematização de dez pontos ou elementos. A ordem de apresentação não obedece a critério de importância, já que julgamos todos os elementos desse conjunto essenciais para enriquecer o debate na presente sala.
 
I - Estamos partindo do pressuposto de que uma reflexão a respeito do direito à educação constitui elemento importante para os educadores e educadoras que, através de diferentes modalidades e atividades, contribuem para colocar em ação conceitos e práticas que dão substância aos processos de ensino e aprendizagem, os quais, por seu turno, dão concretude à escolarização.
 São processos que configuram a razão última da existência dos sistemas de ensino nas suas mais diversas dimensões e que materializam, ou deveriam materializar, o exercício do direito à educação pública de qualidade. Em conseqüência, é necessário que esse direito seja garantido, e, para tanto:



a primeira garantia é que ele esteja inscrito no coração de nossas escolas cercado de todas as condições. Nesse sentido, o papel do gestor é o de assumir e liderar a efetivação desse direito no âmbito
de suas atribuições" (CURY, 2006, p.3)

II - Como todos os direitos humanos, o direito à educação é uma conquista histórica da humanidade, resultante de conflitos, lutas e acordos, cujo reconhecimento e institucionalização vêm se processando de modo gradual, conforme as especificidades de cada país. Suas origens remontam à Declaração de direitos do homem e do cidadão, votada pela Assembléia Nacional Francesa em 1789. No artigo XXII dessa declaração, registra-se que:


 a instrução é necessidade de todos. A sociedade deve 
favorecer com todo o seu poder o progresso da inteligência 
pública e colocar a instrução ao alcance de todos os cidadãos"

III - Ora, se tivermos em mente o contexto da sociedade brasileira no século XVIII, vamos lembrar que éramos uma colônia na qual havia sido “ressuscitado” o regime de trabalho escravo, representado pela escravização dos negros africanos, cuja força de trabalho produzia os bens primários destinados ao mercado europeu. Ou seja, a educação constituía privilégio das elites latifundiárias e, em virtude de o escravo (a classe trabalhadora) ser considerado “coisa”, o Brasil não tinha povo e, muito menos, cidadãos para lutarem por direitos e deles usufruírem.


1.3 Perspectivas
É nessa perspectiva que Hobsbawm (1987) nos chama a atenção para o fato de que os direitos não existem no abstrato. Eles só se concretizam quando as pessoas os exigem, ou quando se possa supor que elas estão conscientes de sua falta. Entretanto, a Constituição do Império Brasileiro (Constituição de 1834), em seu artigo 179, garantiu a todos os cidadãos: “a instrução primária e gratuita, [e] os colégios e universidades onde serão ensinados os elementos das ciências, belas-letras e artes”.
Apesar disso, foi bizarra a utilização feita pela norma legal do ideário liberal (ideário em que se baseiam os direitos universais), quando nos tornamos uma nação independente.

IV- Nos países em que o ideário liberal teve berço, essa doutrina foi a base para a promulgação dos direitos civis, o que contribuiu para viabilizar as relações assalariadas de trabalho, fundamentais para a implantação da ordem burguesa. No Brasil, quando nos libertamos do jugo de Portugal, os princípios liberais foram utilizados para legitimar a própria escravidão. Isso porque a própria Constituição de 1834 definiu quem seria cidadão e, portanto, sujeito de direitos. Cidadãos plenos ou ativos eram apenas os indivíduos que dispusessem de um determinado montante de renda líquida anual, proveniente de herança, indústria ou emprego.

Sem mencionar os escravos (que eram “coisas” garantidas pela Constituição como propriedade de seus possuidores), foram excluídos dos direitos todos os criados, exceto os da Casa Imperial de maior categoria, os primeiros caixeiros das casas de comércio e os administradores das fazendas rurais e das fábricas. Nas condições históricas em que a Constituição de 1834 reconheceu a educação como um direito, é óbvio que o que estava em jogo não era a educação das massas. A reprodução da força de trabalho não incluía a escolarização e era a Igreja quem se encarregava da transmissão de normas e valores funcionais aos padrões de sociabilidade então existentes (AZEVEDO, 2004).

V - No cenário mundial, passou-se mais de um século para que a educação como direito fosse assumida por um conjunto significativo de países. De fato, é no contexto da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948, que o direito à educação passou a ser reconhecido como um direito internacional.

O direito à educação inseriu-se, pois, no reconhecimento universal da igualdade humana, fato que aconteceu quando havia terminado a Segunda Guerra Mundial, considerada como a mais calamitosa de todas as guerras da História. Naquela ocasião, grande parte dos países que passaram a integrar a Organização Mundial das Nações Unidas (ONU) reconheceu como inapropriada a idéia da existência de uma raça, classe social, cultura ou religião superior em relação às demais existentes. Revigorando os ideais da Revolução Francesa, a Declaração significou a manifestação histórica de que se constituíra, no plano mundial, o reconhecimento da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens como valores supremos (COMPARATO, 2006).

1.4 Direito à educação
VIII - Essa contínua reafirmação do direito à educação atesta a existência de um consenso universal que praticamente se generalizou durante o Século XX, sendo hoje quase inexistentes sociedades que não tenham firmado, no seu arcabouço jurídico-político, o compromisso com a oferta da educação pública e gratuita para os que delas fazem parte. Ao mesmo tempo, determinaram também o patamar mínimo de anos de escolarização que cada indivíduo deve ter assegurado como direito garantido pelo Estado. Em geral, esse patamar é representado pelo que é definido como educação de base, segundo os ditames socioeconômicos e culturais de cada realidade em determinados momentos de sua evolução.
 Vale lembrarmos que tal consenso emergiu dos padrões sociais, políticos e, sobretudo, econômicos que vêm configurando as sociedades modernas. Esses padrões, decorrentes do avanço técnico-científico, tornaram a escolaridade um requisito indispensável para a vida nas sociedades modernas, organizadas por meio de códigos letrados. Além do que, desde as últimas décadas do século passado, as linguagens digitais se somaram a esses códigos, e, como sabemos, o domínio desses últimos se mostra indispensável para o acesso às linguagens digitais.
IX - A educação é também elemento fundamental do processo de construção e afirmação da democracia como modo de organização social e político das coletividades humanas. De um lado, ela é importante requisito para que sejam acionados e consolidados canais adequados de participação, de modo que seja garantido o exercício dos direitos políticos e sociais, tanto nas lutas para conquistá-los como nas práticas políticas voltadas para a garantia da vigência desses direitos. De outro lado, mas interligadamente, estamos considerando que os processos de desenvolvimento social e econômico não podem prescindir do avanço do conhecimento científico e tecnológico, da sua propagação e distribuição social e da sua incorporação aos processos produtivos. Para tanto, é fundamental que as pessoas sejam escolarizadas para que possam participar desses processos, usufruírem os benefícios deles decorrentes e se tornarem portadoras dos requisitos exigidos pelo mundo do trabalho.
X - Todavia, mesmo reconhecida como um direito universal, permanecem hiatos significativos entre o que tem sido registrado em lei e o concreto usufruto da educação como direito em inúmeros países, ainda que tenha havido significativa ampliação da oferta e do acesso aos anos de escolarização definidos como obrigatórios e gratuitos, situação em que o Brasil se encaixa. Em conseqüência, a questão da qualidade do ensino vem sendo o nó górdio do exercício do direito aqui em foco, que tem o currículo como um dos principais instrumentos para a sua superação, conforme discutiremos na Unidade II.

1.5 Declarações
No que concerne especificamente à educação, no artigo XXVI da declaração, encontramos registrado que:
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
VI - Desde a criação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a ONU, por meio de seus distintos organismos, tem velado pela reafirmação da educação como direito de todos os povos. Exemplos disso constituem a Declaração dos Direitos da Criança (1959), o documento da Convenção Relativa à Luta contra as Discriminações na Esfera do Ensino (1960) e o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966). Além disso, não podemos esquecer a Declaração Mundial de Educação para Todos de 1990, quando 155 governos nacionais se comprometeram, através de adesão ao protocolo concernente, com a erradicação do analfabetismo em seus territórios e com a oferta da educação básica para todos até o ano 2000.
çApesar dos significativos avanços da ciência e da tecnologia na década de 1990, aquele compromisso não só deixou de ser cumprido, como aumentou o número absoluto de analfabetos, sobretudo no Sul da Ásia e na África. Em conseqüência, no ano 2000, 185 governos participaram da Conferência de Educação realizada em Dakar (Senegal), ocasião em que foram repactuados os compromissos com uma Educação para Todos até o ano 2015. Outra iniciativa da ONU, também ocorrida no limiar do Século XXI, foi a realização do Fórum do Milênio (para acessar este link, você precisa estar conectado à Internet), para o estabelecimento de um pacto visando ao compromisso com a implementação de políticas voltadas para a diminuição da pobreza e miséria e à melhoria da qualidade de vida no mundo. Essa mobilização deu origem à Declaração do Milênio das Nações Unidas, assinada por dirigentes dos 191 países a ela pertencentes, no ano 2000. Nessa declaração, dentre os oito objetivos a serem alcançados, por meio de dezoito metas até o ano 2015, estabeleceu-se o alcance universal do ensino básico, de modo a garantir que, até 2015, todas as crianças, de ambos os sexos, terminem um ciclo completo de ensino básico”.
VII - Há inúmeras outras iniciativas, também de caráter mundial, que buscam o cumprimento do direito à educação. Um exemplo é representado pelo Fórum Mundial de Educação (para acessar este link, você precisa estar conectado à Internet), vinculado ao Fórum Social Mundial (para acessar este link, você precisa estar conectado à Internet), movimento que articula propostas e lutas por um outro modelo de globalização que respeite a autonomia dos povos e não se paute pelas orientações neoliberais. O Fórum tem reafirmado não só o direito à educação, como também propostas de como exercê-lo, através de documentos produzidos a cada reunião anual. Outro exemplo é a Campanha Global pela Educação (para acessar este link, você precisa estar conectado à Internet), a qual, no Brasil, está vinculada à Campanha Nacional pelo Direito à Educação (para acessar este link, você precisa estar conectado à Internet).
A primeira é uma aliança mundial de redes nacionais e regionais de educação, sindicatos e ONGs atuantes em mais de 150 países, que lutam por uma educação básica de qualidade e gratuita para todos, tendo por base o reconhecimento de que a educação é um direito humano básico e fundamental na luta pela dignidade e pela liberdade. Essa luta tem tomado forma por meio da busca de mobilização da opinião pública mundial para pressionar governos e comunidades internacionais pela efetivação de uma educação básica gratuita e compulsória para todas as pessoas, especialmente para as crianças, as mulheres e os setores excluídos da sociedade.
A campanha reconhece que a educação:
  • é um direito humano universal
  • é a chave para a diminuição da pobreza e para o desenvolvimento humano sustentável
  • é uma responsabilidade do Estado e será alcançada se os governos mobilizarem políticas públicas e disponibilizarem recursos para efetivá-las.
Além disso, a educação tem por metas:
  1. promover o ensino público de qualidade, gratuito e obrigatório para todas as crianças a partir dos oito anos, e uma segunda chance para os adultos que não conseguiram estudar no tempo adequado
  2. melhorar as condições da educação e cuidado na primeira infância
  3. aumentar os investimentos públicos no ensino básico, destinar novos recursos de auxílio aos países em desenvolvimento e lutar pelo perdão das dívidas dos países pobres
  4. pôr fim ao trabalho infantil
  5. promover a participação democrática da sociedade civil, incluindo os professores e seus sindicatos, nas decisões educacionais em todos os níveis
  6. fornecer salários justos e regulares aos professores, salas de aulas apropriadamente equipadas e bons livros
  7. oferecer serviços inclusivos e não discriminatórios para todos
  8. promover uma iniciativa global pela educação básica, mobilizando políticas públicas e novos recursos que financiem planos nacionais de educação para atingir as metas de 2015. 
 1.6 Teorias do direito à educação

Mas o que estamos chamando de “direito à educação”?
Há diferentes interpretações sobre o que significa o direito à educação, dependendo das diferentes concepções a respeito do papel da educação nas sociedades.
De uma maneira geral, podemos afirmar que essas diversas concepções variam de acordo com o peso dado às dimensões que caracterizam as funções e os papéis da educação: econômica, ética, cultural e política.
Entretanto, dentre as concepções existentes, há duas que são, por assim dizer, as predominantes: a concepção apoiada na teoria do capital humano e a concepção apoiada na teoria crítica.
Concepção apoiada na teoria do capital humano
Nesse caso, a educação é vista como a aquisição de conhecimentos, de competências e de qualificações voltados prioritariamente para o atendimento às necessidades do mercado, revelando um pragmatismo tecnicista.
Diretamente articulada à Doutrina Neoliberal, essa teoria compreende que as políticas de educação devem ser pautadas de acordo com os requisitos dos sistemas produtivos. Assim, são esses sistemas que passam a moldar os conteúdos e as práticas a serem vivenciados pelas escolas, sobretudo nos níveis responsáveis pela formação profissional.
Dessa perspectiva, compreende-se que a viabilidade da educação como um direito se restringe à sua dimensão econômica.
Concepção apoiada na teoria crítica
Nessa concepção, o direito à educação privilegia o conjunto das dimensões nele implicadas: as dimensões ética, cultural e política, além da dimensão econômica, tendo sempre presentes os problemas sociais existentes.
Isso significa dizer, por um lado, que a pobreza, as desigualdades sociais, o fenômeno da violência, a cultura da impunidade e da discriminação de todos os tipos, dentre outros problemas, devem ser temas debatidos no processo educacional. O debate de tais temas se mostra imprescindível para o desenvolvimento de ritos e práticas que estimulem a aquisição de valores como a cooperação, a solidariedade, o compartilhamento e o exercício de uma consciência crítica face à realidade social, encarando-se o processo educativo como um dos poderosos meios para a construção de uma sociedade efetivamente democrática.
Dessa perspectiva, o direito à educação é também o processo de formação do indivíduo como sujeito de direitos. Entende-se que, entre os conhecimentos e habilidades a serem adquiridos na escola, está a da convivência numa coletividade, com consciência de suas responsabilidades e dos seus direitos. Isso como meio de os cidadãos em formação aprenderem a velar pelos citados direitos quando tiverem que atuar nos múltiplos espaços sociais.
Assim, leva-se em conta que a educação, em si mesma, é um direito fundamental cujo usufruto é essencial para que outros direitos humanos sejam vivenciados. Nesse quadro, é esperado que a escola seja um lugar de aprendizagem da liberdade e, portanto, da responsabilidade, o que implica ter em conta a educação em direitos humanos.

Como vocês devem ter percebido, quando estamos nos referindo ao direito à educação temos maior proximidade com os postulados da teoria crítica, também conhecida como “Teoria da Cidadania Plena”.Essa proximidade nos leva a destacar dois papéis que cabem à escola desempenhar em tal contexto.
    A escola é local em que se viabiliza o usufruto da educação como um direito, quando realiza a escolarização dos indivíduos.
Todavia, esse direito só estará efetivamente sendo vivenciado na medida em que os processos de ensino e aprendizagem se pautarem pela qualidade da educação socialmente referenciada. Nesse sentido, não basta garantir a presença de todos na escola por meio do acesso universal e por meio de medidas que permitam a diminuição da evasão e da repetência.

1.7 O usufruto do direito à educação
Tais medidas só ganham eficácia caso se pautem por uma escolarização de qualidade. O acesso e a permanência sem o usufruto efetivo dos conhecimentos e habilidades pertinentes e, portanto, por meio da oferta de um serviço público deficitário representam o contrário: a violação do direito à educação.
    2. Mas, para que a escola se constitua no espaço da efetivação do direito à educação com qualidade, ela necessita desempenhar o papel de formadora de sujeito de direitos, inclusive para garantir essa própria efetivação.
Esse constitui um dos ângulos diretamente relacionados à gestão democrática da escola, que, de resto, não se desampara do seu papel de locus do exercício do direito à educação.
De fato, são papéis dialeticamente interligados, que têm na gestão democrática um dos meios de sua viabilização, considerando-se, dentre outros aspectos, que ela pode permitir o direito aos estudantes, professores e funcionários de participarem das decisões, da elaboração do planejamento e da organização da vida escolar, conduzindo-os, assim, à aprendizagem e ao desenvolvimento do exercício dos direitos políticos; nesse mesmo sentido, possibilita fomentar um diálogo constante com os pais e demais atores que atuam no entorno da escola, enriquecendo o seu cotidiano.
Assim, a gestão escolar democrática, ao mesmo tempo em que tem por objetivo último o processo de escolarização com qualidade, pode contribuir para que os educandos venham a compreender a realidade social em que se inserem, de modo a se qualificarem para a participação da sua transformação, no processo de construção de uma democratização substantiva e, portanto, de uma sociedade mais justa e igualitária.
Enfim, a gestão que toma por base o direito à educação, sem fracionar suas dimensões econômica, política, ética e cultural, tem a possibilidade de fazer da escola um campo de experimentação, expressão, criatividade e aprendizagens. Atividades estas, simultaneamente, vinculadas à prática social, à vida cotidiana e à preparação para o mundo do trabalho.

Agora, iremos abordar o modo como vem sendo exercido o direito à educação no Brasil, destacando a legislação pertinente, os problemas que têm travado a sua viabilidade e as perspectivas que podemos vislumbrar para que tal direito seja mais bem exercido, sublinhando as contribuições da gestão escolar para tanto.

2 Direitos humanos e direito à educação no Brasil


2.1 O papel do Estado na viabilização do direito à educação

Antes de iniciar nossos debates sobre a educação no País, é bom lembrarmos que o Estado — não apenas em nosso caso, mas em qualquer sociedade — tem um papel fundamental para o exercício desse direito. De fato, esse papel relevante estende-se ao modo de garantia do conjunto de direitos que compõem os direitos humanos (já tratados anteriormente), dentre os quais se situa a educação. Isso porque:
Os direitos humanos foram invocados para assegurar um nível de vida adequado para todas as pessoas, por meio da transformação de compromissos políticos em obrigações legais e obrigações para todos os governos. Assim, não é só obrigação de cada um(a) de nós respeitar as diferenças e os direitos humanos de todas as pessoas. É também dever do Estado desenvolver políticas públicas para que esses direitos se efetivem (HOYE HADDAD, 2005).

A definição do papel do Estado por meio da legislação

A nossa Constituição é, por assim dizer, o instrumento primeiro que, ao determinar os direitos e os deveres dos cidadãos, estabelece também o modo como o Estado deve agir em termos do cumprimento e do resguardo dos direitos de cidadania. É dessa perspectiva que Cury (2006) afirma que:
(...) a Constituição determina a vida social, política e jurídica do Brasil, organizando o Estado. Ao ordenar a sociedade e o Estado, a Constituição também dispõe sobre a educação e sobre a forma de concretizá-la. Assim, quando se buscam as bases do Direito Educacional, o ponto de partida deve estar na Constituição, naqueles princípios abrangentes, capazes de multiplicarem-se em muitos direitos, em muitas garantias e muitos deveres.
O mesmo autor nos alerta para o fato de que:
(...) tanto quanto um direito, a educação é definida, em nosso ordenamento jurídico, como dever: direito do cidadão – dever do Estado. Do direito nascem prerrogativas próprias das pessoas em virtude das quais elas passam a gozar de algo que lhes pertence como tal. Do dever nascem obrigações que devem ser respeitadas tanto da parte de quem tem a responsabilidade de efetivar o direito, como o Estado e seus representantes, quanto da parte de outros sujeitos implicados nessas obrigações. Se a vida em sociedade se torna impossível sem o direito, se o direito implica um titular do mesmo, há, ao mesmo tempo, um objeto do direito que deve ser protegido inclusive por meio da lei.
A definição do papel do Estado por meio da legislação
Mas não é somente a Constituição que estabelece, no nosso País, o direito à educação, particularmente à educação escolarizada. Dentre o conjunto de legislação e normas existentes, podemos citar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Plano Nacional de Educação, além das Constituições dos estados federados e das leis orgânicas dos municípios.
A normatização, ao mesmo tempo em que impulsiona o surgimento de programas e projetos para que o processo de escolarização seja viabilizado, vai também sendo moldada pelas formas de implementação dos mesmos e dos seus resultados, consubstanciando o movimento das políticas públicas para a educação.

3 Referências

Equipe responsável pela elaboração do conteúdo desta Sala Ambiente
Alfredo Macedo Gomes - UFPE
Janete Maria Lins de Azevedo - UFPE
Leda Scheibe - UFSC

Unidade I

ARAPIRACA, J. O. A Usaid e a educação brasileira: um estudo a partir de uma abordagem crítica da teoria do capital humano. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1982. (Coleção Educação Contemporânea. Série Memória da educação)
AZEVEDO, J. O Estado, a política educacional e a regulação do setor educação no Brasil: uma abordagem histórica. In: FERREIRA, N. S. C.; AGUIAR, M. A. da S. orgs). Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. São Paulo: Cortez, 2004.
BOBBIO, N. Direitos humanos. In: BOBBIO, N; MATTEUCCI, N; PASQUINO, G (orgs.). Dicionário de política. vol. 1. Brasília: EdUnb, 1992.
CASTRO, C. de M. Desenvolvimento econômico, educação e educabilidade. 2 ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1976.
COMPARATO, F. K. Comentário ao artigo 1o da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 50 Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos - conquistas e desafios. Brasília: p. 29-36, 1999.
COUTINHO, C. N. A democracia como valor universal. São Paulo: Ciências Humanas, 1980.
CURY, C. R. J. O direito à educação: um campo de atuação do gestor. Brasília: Ministério da Educação, 2006.
FRIGOTTO, G. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, 1995.
HARBISON, F. Educação, mão-de-obra e crescimento econômico; estratégia do desenvolvimento dos recursos humanos. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1965.
HOBSBAWM, E. Mundos do trabalho. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1987.
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
ROSSI, W. G. Capitalismo e educação: contribuição ao estudo crítico da economia da educação capitalista. São Paulo: Moraes, 1978.
SCHULTZ, T. W. O capital humano: investimentos em educação e pesquisa. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
________, T. W. O valor econômico da educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1963.


Obs: Direitos autorais do material utilizado neste Blog pertencente a Escola de Gestores/UFBA/MEC.