segunda-feira, 11 de abril de 2011

Livro I - Planejamento: trabalho pedagógico e o cotidiano escolar

1 Planejamento e o cotidiano escolar
Marcelo Soares Pereira da Silva – UFU
Todos já ouvimos falar a respeito e talvez alguns de nós certamente também já destacamos a importância do planejamento na organização do trabalho na e da escola. Em diferentes momentos e lugares em que a educação se desenvolve, somos solicitados a apresentar algum tipo de documento que expresse o planejamento do trabalho a ser desenvolvido. Seja a proposta pedagógica da escola, o projeto político-pedagógico da instituição, o plano de curso, o plano de aula, enfim, a necessidade de se trabalhar de forma planejada sempre foi uma constante e continua fortemente presente no interior da escola. Também no âmbito dos sistemas de ensino, encontramos a demanda pelo planejamento do trabalho a ser desenvolvido, desde o Plano Nacional de Educação, com suas metas e diretrizes, até os planos elaborados pelos sistemas de ensino nos estados e municípios.

1 Planejamento e o cotidiano escolar
1.1 Mas, o que é planejamento?
 Falar em planejamento é falar em processo de organização de determinada ação. Nisso consiste o processo de planejamento: ele envolve a definição da melhor maneira para se realizar determinadas ações, com vistas a se alcançar metas e objetivos previamente definidos, estabelecendo, para tanto, ações, atividades, etapas e prazos para o seu desenvolvimento e operacionalização, considerando as condições existentes. Nesse processo é fundamental, ainda, assegurar o acompanhamento, a avaliação e o replanejamento, num movimento permanente de pensar e repensar a ação desenvolvida, o trabalho realizado. No processo de planejamento fazemos escolhas, definimos caminhos, tomamos decisões por meio das quais procuramos indicar aonde queremos chegar, como pretendemos desenvolver e realizar determinada ação, considerando os recursos e meios de que dispomos para alcançar nossos objetivos.
Nesse processo de organização da ação, o ponto de partida deve ser o lugar em que nos encontramos, a realidade que está posta, para a partir daí mirar em novos horizontes, delinear novas metas e novos objetivos, projetar, alçar novos vôos.


Portanto, o conceito de planejamento carrega consigo duas dimensões fundamentais. Uma dimensão que diz respeito à capacidade do homem de antecipar, de pro-jetar, de construir idealmente sua ação e sua intervenção no e com o mundo. Outra dimensão igualmente importante é a que se refere ao seu caráter processual, inacabado, incompleto, de permanente vir a ser.

2 A relação entre planejamento - plano - projeto
Marcelo Soares Pereira da Silva - UFU
Em sua atuação como gestor, já deve ter observado que, no campo do planejamento em educação, por vezes, usamos como sinônimos termos que, apesar de estarem diretamente articulados uns aos outros, necessariamente não são exatamente a mesma coisa. É o caso de expressões como planejamento, plano, projeto.
A distinção entre esses termos não significa afirmar que haveria um antagonismo entre eles. Pelo contrário, todos dizem respeito a aspectos relativos à organização de determinada ação, no entanto, cada um tem seu significado.
Como já comentamos em outro momento, o planejamento consiste no processo de organização de determinada ação, o que implica um conjunto de encaminhamentos, princípios e pressupostos. A definição do caminho a ser percorrido para se alcançar o objetivo almejado envolve um conjunto de iniciativas e ações, entre as quais as elaborações de plano e projeto.
Mas, além da compreensão sobre as relações de aproximação entre planejamento, plano e projeto, é importante ressaltar que todo esse processo de organização da ação, expresso em plano ou projetos, pode-se desenvolver sob diferentes caminhos, a partir de diferentes olhares. Esses diferentes caminhos e olhares, ao mesmo tempo em que refletem diferentes maneiras de se compreender o processo de organização do trabalho educativo, diferentes concepções, traduzem projetos políticos distintos quanto ao lugar e ao papel da educação e da gestão escolar.


2 A relação entre planejamento - plano - projeto
2.1 Plano
O plano consiste na sistematização do processo de organização da ação. No plano devem estar sistematizadas as ações que se pretende desenvolver, informações e princípios que balizam e sustentam essas ações. Ele se constitui num guia para a ação. Se o planejamento consiste no processo de tomada de decisões, o plano é a formalização dos diferentes momentos desse processo. O plano se configura, portanto, num registro escrito, apresentado sob a forma de um documento.
No campo educacional, assim como em outros setores da vida social, a sistematização de um plano e sua abrangência correspondem ao nível e à amplitude da realidade educativa que está sendo organizada. Nesse sentido, podemos falar em diferentes níveis de plano, assim como já falamos em diferentes níveis de planejamento.
Por exemplo, o processo de planejamento que organiza as ações e as diretrizes dos sistemas e das redes de ensino é sistematizado em documentos que têm como característica expressar as propostas, as metas, as estratégias e as políticas a serem implementadas em determinada realidade. É o caso dos planos estaduais e municipais de educação.
Por sua vez, quando o processo de planejamento se desenvolve no âmbito da organização de um curso ou de uma aula, dele decorre a sistematização de um plano de curso ou de um plano de aula, respectivamente.
Enfim, o que indicamos é que diferentes níveis do processo de planejamento implicam distintos níveis de sistematização formal desse processo, em diferentes espaços, como os sistemas de ensino, as unidades escolares, a sala de aula, entre outros.

2 A relação entre planejamento - plano - projeto
2.2 Projeto Político-Pedagógico
Na organização do trabalho escolar, o gestor educacional convive permanentemente com a necessidade de se trabalhar com projetos.
O termo projeto, assim como o termo plano, também possui um caráter de sistematização da ação futura e, nesse sentido, a definição de projeto traz consigo a idéia de lançar-se adiante, de algo a construir.
Por um lado, a idéia de projeto pode estar vinculada à noção de detalhamento de uma determinada ação a ser desenvolvida a partir do plano elaborado. Nesse sentido, o projeto consistiria na sistematização de uma parte ou de uma atividade prevista no plano a ser implementado.
É o caso, por exemplo, de um plano de curso de um professor de ciências em que está prevista a realização de uma exposição/mostra de ciências na escola, dentro da programação da disciplina. Para a viabilização dessa proposta, ele sistematiza as suas idéias e a apresenta através da elaboração de um projeto.
Nessa dimensão, a idéia de projeto assume um caráter mais operacional: a realização de uma atividade específica.
Por outro lado, o termo projeto tem sido utilizado também para se referir à proposta pedagógica da escola, como quando falamos em Projeto Político-Pedagógico da escola. Na Sala Ambiente Projeto Vivencial, você poderá discutir com maior profundidade o conteúdo do Projeto Político-Pedagógico e suas dimensões conceituais e metodológicas. Complementando as orientações e reflexões ali desenvolvidas, você contribuirá um pouco mais com nossas análises sobre o sentido e o papel do Projeto Político-Pedagógico no contexto da gestão escolar e de sua construção coletiva.

3 Planejamento: concepções
Marcelo Soares Pereira da Silva - UFU
O planejamento não deve ser tomado apenas como mais um procedimento administrativo de natureza burocrática, decorrente de alguma exigência superior ou mesmo de alguma instância externa à instituição. Ao contrário, ele deve ser compreendido como mecanismo de mobilização e articulação dos diferentes sujeitos, segmentos e setores que constituem essa instituição e participam da mesma.
A preocupação com o planejamento se desenvolveu, principalmente, no mundo do trabalho, no contexto das teorias administrativas do campo empresarial.
Essas teorias foram se constituindo nas chamadas escolas de administração (abordadas na Sala Ambiente Políticas e Gestão na Educação), que têm influenciado o campo da administração escolar. Para muitos teóricos e profissionais, os princípios por elas defendidos seriam aplicáveis em qualquer campo da vida social e ou do setor produtivo, inclusive na gestão da educação e da escola.
Essa influência deixa suas marcas também no que se refere ao planejamento, à medida que o mesmo assumiu uma centralidade cada vez maior, a partir dos princípios e métodos definidos por Taylor e os demais teóricos que o seguiram. Isso porque, a partir do taylorismo, assim como das teorias administrativas que o tomaram como referência, uma das principais tarefas atribuídas à gerência foram o planejamento e o controle do processo de trabalho.
Na verdade, o formalismo e a burocratização do processo de planejamento no campo educacional decorrem, em boa medida, das marcas deixadas pelos modelos de organização do trabalho voltados, essencialmente, para a busca de uma maior produtividade, eficiência e eficácia da gestão e do funcionamento da escola. Isso secundariza os processos participativos, de trabalho coletivo e do compromisso social, requeridos pela perspectiva da gestão democrática da educação. É o caso, por exemplo, dos modelos e das concepções de planejamento orientadas pelo horizonte do planejamento tradicional ou normativo e do planejamento estratégico.
Mas, em contraposição a esses modelos, se construiu a perspectiva do planejamento participativo.


3 Planejamento: concepções
3.1 O planejamento tradicional ou normativo
O planejamento tradicional ou normativo trabalha em uma perspectiva em que o planejamento é definido como mecanismo por meio do qual se obteria o controle dos fatores e das variáveis que interferem no alcance dos objetivos e resultados almejados. Nesse sentido, ele assume um caráter determinista em que o objeto do plano, a realidade, é tomada de forma estática, passiva, pois, em tese, tende a se submeter às mudanças planejadas.
Ao lado dessas características, outros elementos marcam o planejamento normativo:
● Há uma ênfase nos procedimentos, nos modelos já estruturados, na estrutura organizacional da instituição, no preenchimento de fichas e formulários, o que reduz o processo de planejamento a um mero formalismo.
● O planejador é visto como o principal agente de mudança, desconsiderando-se os fatores sociais, políticos, culturais que engendram a ação, o que se traduz numa visão messiânica daquele que planeja. Essa visão do planejador geralmente conduz a certo voluntarismo utópico.
● Ao mesmo tempo em que, por um lado, há uma secundarização das dimensões social, política, cultural da realidade, por outro lado, prevalece a tendência de se explicar essa realidade e as mudanças que nela acontecem como resultantes, basicamente, da dimensão econômica que a permeia.

3 Planejamento: concepções
3.2 O planejamento estratégico
O planejamento estratégico, por sua vez, se desenvolveu dentro de uma concepção de administração estratégica que se articula aos modelos e padrões de organização da produção, construídos no contexto das mudanças do mundo do trabalho e da acumulação flexível, a partir da segunda metade do século XX. Essa concepção de administração e de planejamento procura definir a direção a ser seguida por determinada organização, especialmente no que se refere ao âmbito de atuação, às macropolíticas e às políticas funcionais, à filosofia de atuação, aos macroobjetivos e aos objetivos funcionais, sempre com vistas a um maior grau de interação dessa organização com o ambiente.
Essa interação com o ambiente, no entanto, é compreendida como a análise das oportunidades e ameaças do meio ambiente, de forma a estabelecer objetivos, estratégias e ações que possibilitem um aumento da competitividade da empresa ou da organização.
Em síntese, o planejamento estratégico concebe e realiza o planejamento dentro um modelo de decisão unificado e homogeneizador, que pressupõe os seguintes elementos básicos:
● determinação do propósito organizacional em termos de valores, missão, objetivos, estratégias, metas e ações, com foco em priorizar a alocação de recursos
● análise sistemática dos pontos fortes e fracos da organização, inclusive com a descrição das condições internas de resposta ao ambiente externo e à forma de modificá-las, com vistas ao fortalecimento dessa organização
● delimitação dos campos de atuação da organização
● engajamento de todos os níveis da organização para a consecução dos fins maiores.
Em contraposição a esses modelos de planejamento, a perspectiva da gestão democrática da educação e da escola pressupõe o planejamento participativo como concepção e modelo de planejamento. O planejamento participativo deve, pois, enquanto metodologia de trabalho, constituir a base para a construção e para a realização do Projeto Político-Pedagógico da escola.
O planejamento participativo não possui um caráter meramente técnico e instrumental, à medida que parte de uma leitura de mundo crítica, que apreende e denuncia o caráter excludente e de injustiça presente em nossa realidade. As características de tal realidade, por sua vez, decorrem, dentre outros fatores, da falta ou da impossibilidade de participação e do fato de a atividade humana acontecer em todos os níveis e aspectos. Nessa perspectiva, a participação se coloca como requisito fundamental para uma nova educação, uma nova escola, uma nova ordem social, uma participação que pressupõe e aponta para a construção coletiva da escola e da própria sociedade.
O planejamento participativo na educação e na escola traz consigo, ainda, duas dimensões fundamentais: o trabalho coletivo e o compromisso com a transformação social.
O trabalho coletivo implica uma compreensão mais ampla da escola. É preciso que os diferentes segmentos e atores que constroem e reconstroem a escola apreendam suas várias dimensões e significados. Isso porque o caráter educativo da escola não reside apenas no espaço da sala de aula, nos processos de ensino e aprendizagem, mas se realiza, também, nas práticas e relações que aí se desenvolvem. A escola educa não apenas nos conteúdos que transmite, à medida que o processo de formação humana que ali se desenvolve acontece também nos momentos e espaços de diálogo, de lazer, nas reuniões pedagógicas, na postura de seus atores, nas práticas e modelos de gestão vivenciados.
De outra parte,
o compromisso com a transformação social coloca como horizonte a construção de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária, e uma das tarefas da educação e da escola é contribuir para essa transformação.
Por certo, como já analisamos em outros momentos neste curso, a escola pode desempenhar o papel de instrumento de reprodução do modelo de sociedade dominante, à medida que reproduz no seu interior o individualismo, a fragmentação social e uma compreensão ingênua e pragmática da realidade, do conhecimento e do próprio homem.
Em contrapartida, a educação e a escola articuladas com a transformação social implicam uma nova compreensão do conhecimento, tomado agora como saber social, construção histórica, instrumento para compreensão e intervenção crítica na realidade. Concebem o homem na sua totalidade e, portanto, visam a sua formação integral: biológica, material, social, afetiva, lúdica, estética, cultural, política, entre outras.
A partir dos aspectos aqui destacados, é possível definir os seguintes elementos básicos que definem e caracterizam o planejamento participativo:
● distanciam-se daqueles modelos de organização do trabalho que separa, no tempo e no espaço, quem toma as decisões de quem as executa
● conduzem à práxis (ver conceito na Sala Ambiente Projeto Vivencial) enquanto ação de forma refletida, pensada
● pressupõem a unidade entre pensamento e ação
● o poder é exercido de forma coletiva
● implicam a atuação permanente e organizada de todos os segmentos envolvidos com o trabalho educativo
● constituem-se num avanço, na perspectiva da superação da organização burocrática do trabalho pedagógico escolar, assentado na separação entre teoria e prática.
O trabalho coletivo e o compromisso com a transformação social colocam, pois, o planejamento participativo como perspectiva fundamental quando se pretende pensar e realizar a gestão democrática da escola. Ao mesmo tempo, essa concepção e esse modelo de planejamento se constituem como a base para a construção do Projeto Político-Pedagógico da escola.
O planejamento participativo implica, ainda, o aprofundamento crescente, a discussão e a reflexão sobre o tema da participação. Sobre essa temática, na Sala Ambiente Projeto Vivencial, importantes elementos são destacados também.


4 O gestor escolar frente ao desafio da participação do planejamento do trabalho escolar: dimensões e significados
Marcelo Soares Pereira da Silva - UFU
A construção da gestão democrática da educação exige que aprofundemos, cada vez mais, nossas reflexões e nossos fundamentos sobre a participação, seus significados, suas dimensões e suas características. Como gestor na escola ou no sistema de ensino, você sabe dos grandes desafios que precisam ser enfrentados de modo a viabilizar a participação dos diferentes segmentos na organização da escola. Por isso, vale a pena refletir um pouco mais sobre o tema da participação.
Quando pensamos a participação no processo de planejamento da escola, especialmente no processo de elaboração e implementação de seu Projeto Político- Pedagógico, podemos incorrer na concepção de que essa participação é influenciada apenas por agentes e fatores internos a escola. Por certo, a forma como se estrutura a escola – e os meios que proporcionam maior abertura à participação – estão relacionados aos ideais de Estado e aos modelos de produção que engendram essa escola.
O debruçar sobre a questão das relações de poder entre Estado e escola nos possibilita afirmar, ao lado de Gracindo (1997), Dourado e Paro (2001), Frigotto (1991) e Silva (2002), que o Estado tende a impingir os ideais neoliberais inclusive na escola, sugerindo uma não-interferência do Estado na área administrativa, alegando maior abertura para a participação. Veiga (2001, p. 32) avalia que:
o Estado, ao se descomprometer com a escola, tem levado a que essa escola procure caminhos próprios para se manter, inclusive, no que se refere às suas necessidades financeiras e econômicas relativas ao seu custeio e a sua manutenção. As responsabilidades que caberiam aos governos centrais e regionais têm sido remetidas para os governos locais, os municípios, e para as próprias unidades escolares, dando a idéia de que podem se autogerir. A escola acaba por se defrontar com um novo desafio, no sentido de se organizar segundo as necessidades do mercado.
As mudanças no contexto sociopolítico que penetram e permeiam o cotidiano escolar se articulam com as mudanças ocorridas no próprio modo de produção capitalista na contemporaneidade. O sistema de automação influencia o modelo de produção das indústrias, com implicações em diferentes instituições dos diversos campos sociais, inclusive da escola. Nesse movimento de transformação nos processos produtivos, os novos modelos de gerenciamento e produção adotados nas indústrias apontam para uma maior participação dos trabalhadores, a fim de se obter melhor desempenho econômico através da aproximação entre a cúpula da empresa e a sua base. Desse modo, a participação é afirmada como um meio de se ter um bom crescimento da empresa, possibilitando a solução de problemas. Mota (1986, p. 86) chama a atenção para o fato de que “diversos pesquisadores voltaram-se para o estudo das relações existentes entre o tipo de tecnologia adotada e a estrutura social das organizações” e mais adiante destaca algumas das mudanças que vêm ocorrendo no mundo das empresas:
Surgem conselhos de representantes, comitês de empresa, comissões de fábrica, etc. Embora essas formas de participação estejam freqüentemente associadas à idéia de autonomia e de democratização das relações do trabalho, do ponto de vista administrativo, elas desempenham um papel de mecanismo de ligação entre a base e a cúpula, além de agirem como mecanismo de coesão e formação de consenso (MOTA, 1986, p.91).
É, pois, preconizada certa abertura para a participação nas empresas, porém sob a lógica do controle, da busca de eficiência e eficácia, traduzidas na melhoria dos índices de produtividade.
Também no campo da gestão da educação e da escola, o tema da participação tem-se colocado com maior força. Veiga (1998, p. 67) chama a atenção para a centralidade que tal tema tem assumido na organização do campo educacional, ainda que com os diferentes contornos que lhe têm sido atribuídos:
A participação é hoje uma idéia, uma força e uma palavra-chave. Apesar de as recomendações sobre a temática terem começado a aparecer no Brasil por volta da década de 1970, ela foi implementada e mais fortemente estimulada pelo próprio Estado da década de 1990. Nos anos 80, a participação estimulada pelo Estado objetivava resolver problemas de ordem econômica, para os quais não havia verbas.
Pazeto (2000, p. 16), por sua vez, avalia:
A idéia de gestão contém a concepção de coordenação e de participação. A participação constitui um dos componentes indispensáveis da gestão, particularmente quando ela é fruto do quadro de atores, quando ela é da sua atuação responsável. A diversidade de formas de participação e a intensidade com a qual ela é exercida correspondem ao grau de identificação e de comprometimento dos integrantes com a missão e com o projeto da instituição. A solidariedade, a reciprocidade e o compromisso são valores que justificam a participação no processo de gestão.
Certamente, a participação na escola deve orientar-se de modo que a comunidade escolar esteja comprometida com a melhoria da escola, o que envolve não apenas os conteúdos, mas também os processos de tomada de decisão relativos aos aspectos administrativos, pedagógicos e organizacionais que envolvem todo ambiente escolar. A defesa da participação se constitui, portanto, em caminho fundamental para a democracia, o que implica romper com as estruturas que produzem relações hierárquicas de poder, marcadas pelo centralismo e pelo autoritarismo, na direção de uma maior abertura e de uma efetiva participação dos diferentes segmentos na definição e na construção dos rumos da escola.
Todavia, se por um lado é possível reconhecer a centralidade e a urgência do tema da participação no campo da gestão da educação, por outro, é preciso reconhecer, também, que essa participação, no contexto das organizações, inclusive na escola, representa um fenômeno complexo, de múltiplas faces e características. Ou seja, a idéia, o conceito e a prática de participação são ambíguos e podem refletir diversas realidades, o que conduz a diferentes formas de se conceber e classificar o ato de participar.
Lima (2003), ao tomar a escola como foco de estudo, chama a atenção para o fato de que a participação no contexto da organização escolar deve considerar não apenas o que está definido nos planos das orientações para a ação organizacional, mas também e principalmente o que se realiza no plano da ação organizacional. Ao propor essa perspectiva de análise, o autor destaca que, além de se considerar as estruturas e regras formalmente instituídas na escola, é preciso voltar o olhar para um nível intermediário e um nível profundo da organização escolar. O reconhecimento desses níveis de organização da escola possibilitaria apreender a existência de regras não apenas formais, mas também as regras não-formais e as regras informais. Como explica Lima (2003, p.53),
a distinção entre regras não formais e regras informais obedece principalmente a um critério de estruturação (maior ou menor). Como vimos, as regras formais são totalmente estruturadas e fixadas em documentos. Já as regras não formais apresentam uma estruturação de tipo diferente, dado o seu caráter não oficial, a sua circulação geralmente mais restrita e o seu alcance mais limitado.

Produzidas no seio da organização, são regras estruturadas ou semi-estruturadas que podem tomar forma escrita e que tanto podem se orientar para a formulação e os procedimentos operativos das regras formais, como para áreas de intervenção não formalmente regulamentadas ou legalmente consideradas.
Por seu turno, as regras informais não são estruturadas, costumam ser ainda mais circunstanciais e não podem ser generalizadas a toda organização ou mesmo aos seus largos setores.
Têm um alcance mais limitado, podendo ser mesmo produzidas de forma ad hoc para a resolução de um problema específico. A sua existência raramente está detectada através de documentos escritos; pode-se, quando muito, inferi-la através de atos e decisões.
Circulam menos abertamente na própria organização, podendo, em casos extremos, assumir alguma confidencialidade ou mesmo revestir-se de um certo secretismo. São regras geralmente produzidas e partilhadas por pequenos grupos e, se umas vezes são a afirmação de um grau de autonomia possível e legítima do ponto de vista formal, outras vezes assumirão a realização de interesses particulares não passíveis de legitimação formal, a resolução de problemas que não é possível admitir legalmente sem incorrer em sanções, num certo tipo de regulação e funcionalidade que pode contrariar frontalmente os requisitos formalmente estabelecidos (LIMA, 2003, p.54).

Considerando esses diferentes graus de formalização das regras, Lima (2003) propõe diferentes tipos de participação, levando em conta a existência de regras e regulamentações. A participação formal se estrutura a partir de documentos, de modo que legitima certas formas de intervenção e impede outras. Por sua vez, a participação informal, produzida e partilhada em pequenos grupos, pode constituir-se a partir de uma regra não-formal, admitindo-se outros desenvolvimentos e outras adaptações não previstos nas normas e nos regulamentos. Nessa perspectiva de análise, o autor propõe quatro critérios para análise da participação praticada: democraticidade; regulamentação; envolvimento; orientação. Com base nesses critérios, são apresentados vários tipos e graus de participação.
Pelo critério da democraticidade, a participação se caracterizaria pelo seu caráter de uma participação direta ou uma participação indireta. Na participação direta, há a intervenção direta dos sujeitos no processo de tomada de decisões, sendo realizado tradicionalmente pelo exercício do direito de voto. A participação indireta, por sua vez, é realizada por intermédio de representantes designados, podendo ser convocados de diferentes formas e com base em diferentes critérios. Esse segundo tipo de participação pode ser válido, mas é preciso cuidado para que o representante não considere apenas o seu próprio interesse.
A partir do critério da regulamentação, são propostos três tipos de participação: formal, não formal e informal. No primeiro caso, a participação praticada teria como referência as regras formalmente instituídas, as quais regulamentariam o exercício, as orientações e as limitações em que ela se desenvolveria, de modo que essas regras legitimariam certas formas de intervenção e impediriam, em termos formais, outras formas.
De outra parte, a participação não formal se realizaria tendo como base regras menos estruturadas formalmente, de modo que esse tipo de participação implicaria sempre uma ação de interpretação das regras formais, o que poderia levar tanto à manutenção quanto à mudança da realidade existente.
A participação informal, por sua vez, teria como referência as regras informais, não são estruturadas formalmente. Na maioria das vezes, esse tipo de participação se realiza em pequenos grupos e em torno de objetivos específicos, não definidos pelas regras formais, que podem estar orientados no sentido de uma oposição a essas regras, ou mesmo de complementaridade a elas.
A ação dos sujeitos da escola, no que diz respeito ao desenvolvimento da instituição, pode evidenciar diferentes níveis de empenho, de atitudes e de comprometimento frente às possibilidades de participação na organização escolar. Nesse sentido, a participação se definiria pelo grau de envolvimento, que incluiria três tipos de participação: ativa, reservada e passiva (LIMA, 2003).
No contexto escolar, a participação ativa caracteriza-se pelo conhecimento profundo dos agentes da escola sobre os seus direitos e deveres. As pessoas que se situam nesse grupo são aquelas que utilizam de recursos, tais como: eleição de representantes, divulgação de informação, recursos a lutas sindicais e greves, além de formas de contestação e oposição. São indivíduos comprometidos com a transformação efetiva das atuais condições da escola, sugerindo, opinando e agindo.
De outra parte, há realidades em que existe o envolvimento mínimo dos participantes, sem expressão e com atitudes de desinteresse e alheamento, nas quais se configura o que se denomina de participação passiva. São representados por aqueles que não se envolvem, ou se envolvem o mínimo, não comparecem a certas reuniões e não obtêm informações, o que conduziria a uma alienação de responsabilidades.
Ainda de acordo com o critério do envolvimento, a participação pode assumir as características de uma participação reservada, situando-se num ponto intermediário entre a participação ativa e a participação passiva. Tal tipo de participação caracteriza-se por atividades menos voluntárias e sem empenho de recursos. Representa aqueles que, para não se comprometer, preferem não opinar e não correr certos riscos, não se comprometendo com o futuro.
Sob o critério da orientação, a participação praticada é vista sob dois ângulos: convergente e divergente. A participação convergente se orientaria para o consenso, com vistas a realizar os objetivos formais definidos; de outra parte, a participação divergente se traduziria nas rupturas e contraposições às orientações oficialmente estabelecidas.
A não-participação ocorrida na maioria das escolas também deve ser analisada, pois essa não-participação, de certa forma, constitui-se num tipo de participação.
No plano das orientações para a ação organizacional, a não-participação pode ser consagrada ou decretada. A não-participação consagrada se definiria a partir da não regulamentação da participação, por meio da omissão às regras para que a participação pudesse ocorrer. De outro modo, a não-participação decretada se configuraria quando se estabelecem exceções ou situações específicas para que a participação não venha a se efetivar; ou quando se explicitam os casos em que é vedada a participação de algum setor ou segmento. Nessa perspectiva, a nãoparticipação decretada seria uma forma de não-participação imposta ou forçada.
Referenciando-se ao plano de ação organizacional, a não-participação pode ser tipificada em imposta ou forçada, induzida e voluntária. A primeira decorreria de orientações predominantemente externas ou internas à organização; a segunda estaria relacionada aos processos e às dinâmicas institucionais que conduzissem ou inviabilizassem a efetiva participação; e, por último, a não-participação voluntária decorreria de escolhas individuais ou de estratégias de grupos e subgrupos, sem que houvesse elementos de imposição ou indução dessa não-participação.
A perspectiva de análise e a tipologia propostas por Lima (2003) não devem ser tomadas como modelos fechados de interpretação da realidade. É preciso que a participação e a não-participação nos processos de trabalho, no contexto das instituições e dos sistemas educativos, possam assumir diferentes contornos e características, sendo que, com freqüência, será possível encontrar em um mesmo contexto formas distintas de a participação se realizar ou não, seja no plano da prática da ação organizacional ou no plano das orientações para ação.
Ao gestor educacional é fundamental ter clareza, teórica e prática, de que a participação não se realiza de uma única forma e sempre com as mesmas características.
Por fim, como alerta Lucas (1975), apenas o ato de participar não implica que isso será de fato bom. A participação é um tema que está em voga, mas precisamos analisá-la compreendendo suas diversas faces. Todos a desejam, mas por vezes os envolvidos estão poucos satisfeitos com as tentativas de alcançarem suas pretensões.
Portanto, cabe ao gestor educacional ter clareza quanto aos caminhos que pretende construir, de modo a se criar condições para que a participação seja a mais ampliada e efetiva possível, tanto nos processos de tomada de decisão quanto na organização dos trabalhos nas instituições e nos sistemas educativos. Por certo, nenhuma forma de participação é plenamente satisfatória. Há sempre vantagens e desvantagens. Mesmo que encontremos dificuldades e diversidades, a participação ainda é o meio mais democrático para uma educação responsável. Saber encontrar caminhos para lidar com inúmeros pares possibilitará que a participação seja mais concreta e justa.

4 O gestor escolar frente ao desafio da participação do planejamento do trabalho escolar: dimensões e significados
4.1 Referências
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LIMA, L. C. A escola como organização educativa. São Paulo: Cortez, 2001.
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SILVA, M. S. P. da. Organização do trabalho escolar e as políticas educacionais no limiar do século XXI. In: CICILLINI, G. A.; NOGUEIRA, S. V. (orgs.). Educação escolar: políticas, saberes e práticas. Uberlândia: EDUFU, 2002.
VEIGA, I. P. A. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. Campinas: Papirus, 1995.
VEIGA, I. P. A.; FONSECA, M. (orgs.). As dimensões do projeto políticopedagógico: novos desafios para a escola. Campinas: Papirus, 2001.
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OBS: Este material pertence a Escola de Gestores/UFBA/MEC